Das 15 vacas que os Facioni mantinham em sua propriedade rural em Estrela, no Vale do Taquari, restou apenas uma. Descontentes com o aumento no custo de produção e a redução no lucro, Loreci, 55 anos, e o marido, Nelso, 62 anos, abandonaram a venda de leite no primeiro semestre do ano passado. Com o fim da atividade, o casal passou a concentrar esforços no cultivo de morangos. Em quatro estufas, os aposentados produzem, em média, 150 quilos da fruta por semana. As encomendas – parte delas feita via WhatsApp – são endereçadas a confeitarias e escolas do município.
– Tivemos sorte porque, logo depois de deixar a produção de leite, conseguimos negociar quase todas as vacas – conta Loreci.
Hoje, já são 15 mil pés de morangos cultivados.
– É uma pena que não abandonamos o leite uns cinco anos atrás – emenda Nelso, que comemora o resultado colhido nas estufas.
A decisão dos Facioni ilustra movimento que vem ganhando força no campo gaúcho nos últimos três anos. Segundo pesquisa da Emater, o número de produtores que vendem leite cru para cooperativas, indústrias e queijarias recuou 22,6% entre 2015 e 2017. Isso significa que em torno de 19 mil produtores deixaram a atividade no Rio Grande do Sul.
– Uma das grandes dificuldades hoje é a falta de mão de obra e de sucessão familiar. A maioria dos pequenos produtores tem dificuldade para fazer investimentos, e a atividade atrai pouco os jovens – argumenta o coordenador da área de leite da Emater, Jaime Ries.
Outro fator por trás da redução é a baixa no preço pago pelo leite aos produtores – resultado da queda do consumo de produtos derivados por conta da retração econômica. Em dezembro do ano passado, a indústria desembolsou, em média, R$ 1,06 por litro no Estado – corte de 19,1% frente ao valor bruto de R$ 1,31 recebido pelos produtores em igual mês de 2016, conforme o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de São Paulo (USP).
Ao longo de 2017, o maior preço mensal pago pela indústria foi de R$ 1,38, registrado em maio. A oscilação no valor, apontam especialistas, também vem levando produtores a abandonar o setor. Morador de Sarandi, no norte gaúcho, Tiago Di Domenico, 31 anos, chegou a manter 25 vacas em suas terras, com produção de até 8 mil litros por mês, mas decidiu deixar a atividade por conta das incertezas em 2015. De lá para cá, resolveu aumentar sua atenção ao cultivo da soja.
– Temos só três vacas hoje. O leite vai para o consumo familiar. Sentimos saudade da época em que a produção dava lucro. Mas, se for só para trocar moedas, como vinha acontecendo, não vale a pena – relata Di Domenico.
Previsão de um ano um pouco mais estável
Presidente do Conseleite e do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Estado (Sindilat), Alexandre Guerra projeta que 2018 será um ano com menor variação no preço. A previsão é ancorada no fato de o valor já estar em nível baixo, sem grande possibilidade de recuos ou avanços intensos.
– O preço foi muito achatado. Neste ano, não deveremos ter tantas variações, com margens apertadas para produtores e também para indústrias – prevê Guerra.
Assessor de Política Agrícola da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado (Fetag), Márcio Langer sublinha que a Operação Leite Compen$ado é outro fator responsável por azedar a imagem do setor. Desde 2013, a investigação do Ministério Público Estadual apura adulterações no produto gaúcho.
– A qualidade do leite melhorou. Tudo ficou mais exigente depois da operação, mas o consumo não reagiu na proporção esperada. Com a operação, veio uma série de dificuldades nas empresas, o que gerou inadimplência nos pagamentos aos produtores – comenta Langer.