Em uma das ruas do parque da Agrishow, maior feira de tecnologia agrícola da América Latina, encerrada nesta sexta-feira em Ribeirão Preto (SP), dezenas de pessoas se aglomeravam para enxergar um trator sem cabine – desenvolvido por uma multinacional do setor. A poucos metros dali, uma pequena fabricante catarinense chamava atenção do público com drones para mapeamento da lavoura, voltados à agricultura de precisão. Quando o assunto é tecnologia digital, gigantes do agronegócio e startups conseguem oferecer soluções e ferramentas – reduzindo o abismo que existia no passado quando a vitrine do setor era exclusividade das grandes empresas.
Nos últimos dois anos, no mundo todo, startups de agricultura receberam aproximadamente US$ 10 bilhões em investimentos _ grande parte no Brasil. Ao mesmo tempo, multinacionais ampliaram seus portfólios de produtos e apostaram pesado em inovações. A mais recente, e grande vedete da Agrishow, foi o trator sem cabine desenvolvido pela Case IH – exibido pela primeira vez para o público na América Latina.
O equipamento, testado em mil hectares de lavouras de milho e soja em Arizona, nos Estados Unidos, é capaz de executar as mesmas tarefas de um modelo convencional. A diferença é que o operador controla à distância.
– É uma autonomia supervisionada remotamente, por meio de um tablet ou computador – explica Christian Gonzalez, diretor de marketing da Case IH para a América Latina.
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O trator tem sistema de telemetria e compartilhamento de dados, podendo trabalhar de maneira pré-programada dia e noite. Radares e câmeras permitem que o veículo detecte obstáculos no terreno e pare sozinho, por exemplo. A previsão da fabricante é de que o projeto-piloto se torne realidade no campo em até cinco anos.
– Quem irá decidir quando iremos lançar é o mercado. Acreditamos que ele chegará antes no Brasil do que em qualquer outro lugar no mundo, pela extensão das áreas e dificuldade de mão de obra – projeta Mirco Romagnoli, vice-presidente da Case IH na América Latina.
Fazendas inteligentes oferecem respostas
Reunidas em um estande da Agrishow batizado de Fazenda Inteligente, cinco empresas criadas recentemente, e financiadas hoje pelo mesmo fundo de investimento, mostraram soluções para melhoria da produtividade e da gestão da atividade rural. Chamadas de startups do campo ou também de agritechs, as iniciativas oferecem ferramentas para modernizar vários tipos de propriedades. Cada vez em maior número no país, as empresas de inovação tecnológica têm alto potencial de crescimento no setor.
– Em pouco mais de dois anos, conquistamos 65 clientes e mais de 2 mil usuários para nosso aplicativo em diversos Estados brasileiros – conta Pedro Dusso, um dos sócios da Aegro, startup gaúcha que oferece um software de planejamento agrícola.
Incubada inicialmente na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e hoje independente, a empresa criada por cinco sócios participou pela primeira vez de uma feira agrícola.
– A inovação está mais democrática. As soluções digitais estão cada vez mais próximas dos produtores – resumiu Dusso.
Mapeamento aéreo das propriedades
Há menos de dois anos no mercado brasileiro, a startup Horus Aeronaves lançou na Agrishow o seu terceiro produto: um drone capaz de mapear até 5 mil hectares de área e com autonomia de duas horas de voo. O equipamento não tripulado tem câmeras com sensores capazes de captar espectros de imagens não visíveis ao olho nu, como deficiências hídricas e nutricionais nas plantas.
– Com o mapeamento, é possível atacar pragas ou doenças antes que elas se disseminem nas lavouras, otimizando os custos de produção – explica Fabrício Hertz, CEO da Horus Aeronaves, criada em Florianópolis (SC) em 2015.
O uso de drones em lavouras do país será favorecido por regulamentação aprovada pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) na última terça-feira. Pelas novas regras, as áreas rurais não precisarão de autorização prévia de terceiros para utilização de aeronaves remotamente pilotadas.
Os três modelos de drones expostos no estande da Fazenda Inteligente na feira despertaram a curiosidade de agricultores ávidos por tecnologia.
– O nível de conhecimento do produtor é muito maior hoje. Ele já chega fazendo perguntas específicas sobre o equipamento – conta o empreendedor.
Assim como a Horus, outras quatro empresas parceiras participaram pela primeira vez de uma feira. Após a Agrishow, a intenção do grupo de startups é manter uma exposição conjunta, em centro de inovação permanente, em área de um hectare, no município de Conchal (SP).
Frota de máquinas monitoradas em tempo real
Do visor de um celular ou da tela de um computador, à distância, o produtor pode monitorar todo o funcionamento da frota de máquinas na lavoura. Em portais atualizados em tempo real, alertas de problemas técnicos são imediatamente comunicados para uma tomada de decisão rápida do agricultor e da revenda.
– A tecnologia do futuro é utilizada hoje. As máquinas devem ser usadas de forma cada vez mais eficiente, com o maior número de benefícios possíveis durante a operação no campo – explica Dener Jaime, coordenador de marketing de produto do sistema de monitoramento de máquinas concebido pela Massey Ferguson.
O programa foi criado em 2016 com opções de pacotes ao cliente.
– A ideia é ajudar o produtor a tomar suas decisões com o serviço remoto de especialistas da fábrica, que detêm o maior conhecimento sobre o maquinário – resume Jaime.
Utilizando o mesmo conceito de acompanhamento real da frota no campo, a John Deere passou a oferecer em janeiro deste ano um aplicativo aos clientes brasileiros, também em pacotes contratados nas concessionárias.
– O acompanhamento remoto reduz riscos operacionais, como uma máquina fundir o motor por alta temperatura – exemplifica Alex Mendes, especialista em agricultura de precisão da John Deere no Brasil.
Nos Estados Unidos, onde a conexão de celular no campo é avançada, o serviço já é amplamente utilizado pelos agricultores. Para disseminar ferramentas que dependam de sinal de internet nas lavouras brasileiras, a fabricante de máquinas agrícolas está com projeto para ampliar a conectividade rural.
Segundo o diretor de marketing e vendas da John Deere na América Latina, Alex Sayago, a ideia é oferecer cobertura a áreas extensas, em raios de 25 quilômetros, por exemplo. O projeto envolverá empresas de telefonia e será anunciado em breve, segundo o executivo.
*A jornalista viajou a convite de um pool de empresas do setor