Os campos do sul brasileiros, representados pelos Campos de Altitude dentro do Bioma Mata Atlântica no norte do RS e pelos campos do Bioma Pampa na metade sul, são patrimônios naturais cujo valor ainda não sabemos avaliar adequadamente. Apesar da cultura e a economia gaúcha terem sido alicerçadas nesses ecossistemas, a maioria das pessoas ainda os vê apenas como uma forma de produzir gado ou, ainda pior, apenas como reserva de terra para praticar outras formas de agricultura.
Na verdade, o valor dos campos reside primeiramente no fato que a natureza decidiu que esse é o tipo de vegetação mais adequado para o clima e os solos regionais. É ela que permite sequestrar carbono atmosférico, conservar e melhorar os solos, filtrar e armazenar as águas, manter uma fauna particular associada (inclui aí polinizadores e inimigos naturais das pragas e moléstias que afetam as monoculturas) e ainda constituir paisagens de valor cênico inigualável. Portanto, nossos campos são multifuncionais, e a produção de gado é apenas uma de suas funções. E, o mais importante, apenas com manejo adequado da lotação, isto é, sem o uso de insumos modernos (adubos, irrigação etc.), torna-se uma atividade agrícola sustentável que, por isso mesmo, tem se mantido através de séculos.
No entanto, apesar da sua importância ecológica e da potencialidade econômica demonstrada pela pesquisa, o que se observa é uma gradativa substituição dos campos por monocultivos intensivos, ao ponto de reduzir sua cobertura no território estadual dos originais 63% para os atuais 23%. Ressalte-se que a pesquisa demonstra que é possível aumentar em cerca de 300% a produtividade animal em campo nativo apenas com adequado ajuste da carga animal e do diferimento estratégico de potreiros, e ainda melhorando os serviços ecossistêmicos. Isso significa passar da média estadual atual de 70 kg de peso vivo produzidos por hectare/ano para mais de 200 kg sem qualquer custo adicional e ainda produzindo produtos com qualidades superiores para a nutrição e saúde humana.
Porque então estamos sempre buscando alternativas a esse uso da terra sem ao menos esgotar as possibilidades que a natureza e a pesquisa estão oferecendo? Certamente pela (1) ignorância dessas possibilidades por parte do produtor e (2) pela falta de políticas públicas (decorrente daquela mesma ignorância) que privilegiem essa pecuária sustentável e que levem a uma maior valorização desse formidável recurso com que a natureza nos brindou. E isso pode ser feito em harmonia com outras formas de ocupação dos territórios e, por que não, remunerando o produtor pelos serviços ecossistêmicos que o campo pode prestar.
Carlos Nabinger é Mestre em Fitotecnia e doutor em Zootecnia, professor da Faculdade de Agronomia da UFRGS
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