"Toda a sexualidade feminina sempre foi envolvida por muito tabu. Com a masturbação não é diferente", diz a ginecologista e sexóloga Fernanda Grossi, coordenadora do departamento de Sexualidade Feminina da Associação Brasileira de Estudos em Medicina e Saúde Sexual (ABEMSS).
A frase da sexóloga, dita com certo tom de indignação, é em relação a um discurso que tem repercutido com força nas redes sociais recentemente, no qual os envolvidos defendem que a masturbação “prejudicaria a energia feminina” da mulher, que o uso de vibradores “tornaria o clitóris insensível” ou que o orgasmo em modo solo tornaria a pessoa “viciada em dopamina”.
Na contramão disso tudo, a profissional explica que não há limite para a masturbação feminina quando ela é feita em busca de autoconhecimento e prazer, e quando não atrapalha a mulher em outras atividades do seu dia.
— Se masturbar diariamente no intuito de alívio de estresse, de autoconhecimento e de sensação de prazer não tem nenhum problema. Quando se masturba, a mulher sabe onde e como sente prazer. Esse autoconhecimento é o principal benefício da masturbação: a mulher saber que pode ser responsável pelo seu próprio prazer e poder guiar o parceiro, mostrando do que gosta — afirma Fernanda.
Dopamina é sinônimo de prazer
Hormônio do prazer, da sensação de recompensa e do bem-estar, a dopamina é uma das substâncias químicas que são liberadas quando a mulher se masturba. Mas não é porque a ela está sentindo o prazer do orgasmo que ficará viciada, explica ainda a sexóloga Fernanda Grossi.
Assim como o vício em álcool ou drogas, o vício em masturbação tem a ver com uma multiplicidade de fatores, como por exemplo algum tipo de comprometimento psicológico que predispõe a pessoa a isso. A história de “se apaixonar pelo vibrador” e perder o interesse no parceiro também não se sustenta, já que a relação sexual vai muito além do mero toque físico e do orgasmo:
— A masturbação não vai tomar conta do espaço que um relacionamento ou contato com outra pessoa proporciona. Existe todo um contexto relacional que deve ser considerado, é sobre troca emocional também. A masturbação serve para o relacionamento da pessoa consigo mesma, para ela se conhecer, saber que pode se dar prazer. Mas isso não significa que não terá interesse em ter contatos e trocas com outro alguém — defende Fernanda.
No que diz respeito à ideia de que “se masturbar tiraria a sensibilidade do clitóris” ou de que “quando for a hora de transar com alguém, a mulher não vai sentir porque se masturbou demais”, a ginecologista afirma que não passam de mitos. O clitóris não perde seus “poderes” conforme o uso.
— Não vai dessensibilizar, nem machucar, nem deixar com resistência a ter prazer. A única coisa que a gente tem que prestar atenção é que um orgasmo proporcionado pelo toque no clitóris geralmente é mais fácil de obter e intenso do que o orgasmo em um jogo sexual com penetração, por exemplo. São toques diferentes.
Tesão pela vida
É um território difícil de mensurar, mas em termos de “energia”, a psicóloga e sexóloga Lúcia Pesca defende que a masturbação ajuda a mulher a sentir mais “tesão pela vida”, mais vontade de realizar os seus planos e, inclusive, mais interesse em fazer sexo com o parceiro.
— Já temos pesquisas mostrando que quanto mais a gente vive a nossa sexualidade, melhor a nossa energia vital, que é o nosso ímpeto, nossa vontade, nosso desejo pelas coisas, não necessariamente o desejo sexual, mas também ele — afirma Lúcia.
Masturbação na menopausa
Benefícios também na menopausa, já pensou? Pois então. Para as mulheres mais velhas, a masturbação pode ajudar a amenizar o efeito da menopausa chamado de atrofia da vagina, explica a ginecologista Fernanda Grossi, que é quando a pele que reveste a região torna-se mais fininha e menos vascularizada.
O benefício é no sentido de que, quando a mulher se masturba, acaba estimulando a circulação de sangue, o que nutre a região e incentiva a lubrificação.
— Muitas vezes, eu recomendo o uso de vibrador com fins terapêuticos para pacientes com muita atrofia, nem que elas não façam com o objetivo de masturbação e orgasmo, mas pelo menos para a vibração estimular a circulação local de forma a amenizar a atrofia. E, como a lubrificação é um mecanismo vascular, quando a gente estimula a vascularização local, a gente está melhorando também a lubrificação dessa mulher — conclui Fernanda.
Quando a masturbação é um problema?
A masturbação só se torna um problema quando estiver relacionada a questões psicológicas e acabar constituindo uma compulsão, explica a sexóloga e psicóloga Lúcia Pesca.
Alguns sinais de que algo saudável pode ter se transformado em uma compulsão é quando a rotina da pessoa passa a ser impactada pela necessidade de se masturbar. Ou seja, quando ela deixa de participar de eventos para praticar o ato, quando precisa se masturbar toda vez que uma situação "X" a frustra e estressa, ou quando condiciona o sono à masturbação, no estilo “só consigo dormir se me masturbar”. Em suma, só é um problema nos casos em que a masturbação passa a ser o foco da vida da pessoa.
— No momento em que a masturbação começa a perturbar o dia a dia, trabalho e relações afetivas, está além do saudável. Um exemplo é você estar trabalhando e ter que sair e ir até um local pra poder se masturbar, ou você se atrasar para um compromisso porque estava se masturbando. Quando precisa ficar se masturbando e vendo pornografia o tempo todo, aí sim passa a ser doença. Compulsão sexual é uma doença — afirma Lúcia.