Você recebe várias ligações por dia, dezenas de mensagens e outras tantas visitas inesperadas daquele cara. Mesmo explicando seu desconforto com a situação, ele ignora, segue cercando e invadindo seu espaço. O incômodo é tão grande que você começa a ficar intimidada, com medo de sair de casa, perdendo a liberdade.
Uma situação semelhante é vivida pelo personagem Donny Dunn (Richard Gadd), na série Bebê Rena (2021), lançada recentemente pela Netflix. Baseado em uma história real, o enredo acompanha as consequências de uma obsessão nutrida pela jovem Martha (Jessica Gunning) pelo rapaz.
Martha é uma "stalker", termo em inglês que se popularizou na última década ao definir os perseguidores obsessivos. Contudo, a ação é praticada em sua maioria contra mulheres. A prática é crime desde 2021, prevendo pena de seis meses a dois anos em regime fechado e multa para esse tipo específico de conduta.
Para entender a "lei do stalking" e também saber como identificar um perseguidor, consultamos as advogadas Gabriela Souza e Natália Veroneze, ambas à frente de escritórios especializados no atendimento de mulheres. Tire suas dúvidas abaixo:
O que é "stalking"?
De acordo com a lei 14.132, de 2021, stalking é a prática de "perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade". A tipificação do crime, segundo a advogada Gabriela, representa um avanço importante porque a lei prevê ainda um aumento de 50% da pena em casos cometidos contra alguns grupos sociais, como as mulheres.
— Apesar de entender que todo mundo pode ser vítima, há um posicionamento sobre ser um crime recorrente de gênero, por isso uma punição mais exemplar nesse sentido — explica.
O que mudou com a lei?
Antes, casos de perseguição eram enquadrados como "perturbação da tranquilidade alheia" e tinham pena bem mais branda, com prisão de 15 dias a dois meses e multa. Agora, o código penal passa a punir essa conduta criminosa de forma mais severa. Mas, na opinião da advogada Natália, ainda é cedo para afirmar que haverá um impacto nos índices de feminicídio, por exemplo:
— Pode ser encarado como uma vitória, já que esse tipo de prática pode ser mais debatida na sociedade. Por outro lado, demonstra como somos frágeis na nossa privacidade em uma sociedade que romantiza gestos de controle e de abuso. Precisamos refletir sobre a origem desse tipo de perseguição e sobre as relações subjetivas envolvidas em cada caso.
Como identificar?
O stalking vira crime quando uma das pessoas da relação passa a se sentir intimidada, o que vai afetar sua saúde mental ou física. Há um aspecto subjetivo relevante, já que a lei valida o sentimento de cada vítima sobre se sentir ou não ameaçada. O que algumas pessoas acham "normal", por exemplo, pode já ter passado do limite para outras. Apesar disso, há casos em que a ameaça é mais evidente, avalia a advogada Natália:
— Se a vítima bloqueou o agressor, já pediu para que ele não a procure mais, se ele passa a usar outros números de telefone para enganá-la, se invade suas redes sociais ou usa seus números comerciais, então teremos provas mais inequívocas de que o que está ocorrendo naquela relação é uma perseguição.
Já Gabriela acredita que as mulheres precisam ficar atentas aos sinais. O stalking está intimamente associado ao sentimento de obsessão e controle. A pessoa aparece no seu trabalho sem avisar? Costuma acompanhar suas redes sociais para se informar sobre onde você está e aparecer de surpresa? Você entra no banho e a pessoa se descontrola porque ficou sem conseguir te contatar? Estes são alguns exemplos de condutas que devem fazer o alerta soar.
— Caso você sinalize que não está confortável e, mesmo assim, isso continuar ocorrendo, é preciso acender o sinal vermelho. Demonstra que a pessoa não aceita imposição de limite. A lei do stalking reforça a ideia de que o não, é não — diz Gabriela.
Online ou presencial
A perseguição pode ocorrer pelas redes sociais, com mensagens em sequência, por meios eletrônicos, como ligações de celular, ou fisicamente. Não há menos riscos quando o stalking ocorre apenas na internet porque nada garante que a prática vá ficar restrita neste meio. Se você estiver passando por isso, seja online ou fisicamente, tente juntar provas: tire prints das conversas, reúna imagens, relatos de testemunhas, câmeras de segurança, comprovantes de ligações, e tudo o que possa ajudar a comprovar essa perseguição.
— Muitas vezes, pode não haver uma ameaça concreta, mas a vítima fica trêmula, desenvolve síndrome do pânico, ansiedade, dificuldade de dormir. Essa perseguição afeta o psicológico. A lei coloca essa violência psicológica em um lugar importante — diz Gabriela.
Quem pode cometer o crime
Não se engane: o stalker pode ser um desconhecido com uma paixão platônica, um colega de trabalho que ignorou o "não", um namorado que passa dos limites, um ex inconformado com o término, um amigo que é obsessivo, entre outros. Se você já verbalizou seu desconforto com a situação e a prática continua, fique atenta. Peça ajuda de pessoas de confiança e procure seus direitos legais.
Como denunciar
Você está vivendo um caso de stalking. E agora? Primeiro, é preciso ir até a delegacia para registrar um boletim de ocorrência sobre a situação — outra opção é realizar o B.O. online no site da Polícia Civil. Um ponto importante: a vítima precisa manifestar a intenção de que o agressor responda criminalmente pelo ato, o que é chamado de "representação". Só assim o processo poderá ter andamento e chegar à condenação do stalker.
No momento do registro, a vítima já pode levar as provas que reuniu contra o agressor e indicar que quer representar criminalmente contra ele. É importante que ela esteja acompanhada de alguém de confiança e, de preferência, por um advogado — as mulheres podem solicitar auxílio na Defensoria Pública. Em alguns casos, é possível pedir também a medida protetiva.