Praticamente toda mulher que considera ou já considerou fazer uso de DIU (dispositivo intrauterino), um dos métodos contraceptivos mais indicados por ginecologistas, ponderou sobre a dor do procedimento de inserção. Um movimento nas redes sociais, feito em sua maioria por mulheres norte-americanas, tem trazido luz ao assunto com vídeos no TikTok que mostram o momento em que elas colocam o dispositivo.
O objetivo é alertar para a negligência de alguns médicos com o corpo e as dores das mulheres. Em post no Instagram, a revista TPM falou sobre o assunto e, nos comentários, as mulheres brasileiras engajaram no debate.
"As duas matérias mais tristes da faculdade de medicina: ginecologia e obstetrícia. Eu e a maioria das mulheres da minha sala percebemos que os ginecologistas ODEIAM abertamente mulheres e debocham muito das dores femininas e dos seus corpos", relatou uma mulher, ganhando mais de 1,2 mil curtidas.
"Gente, eu senti só uma picadinha… Minha ginecologista me assegurou que seria praticamente indolor e assim foi. Acredito que por ser uma médica mulher isso ocorreu", contou outra. "Para mim também foi horrível. Chorava. Caiu cabelo. Espinha. Não aguentei. Tive que tirar", contou uma terceira.
"Eu coloquei com uma médica mulher, em consultório. Fui extremamente acolhida em todos os momentos e isso fez toda a diferença até na percepção da dor e adaptação pós-inserção. Ela até me deu a mão no final (risos), dói mesmo, mas o manejo da situação pelo profissional de saúde facilita muito", opinou mais uma.
Mas, afinal, por que os médicos não indicam anestesia para que as mulheres não precisem passar por essa dor? A questão é complexa e envolve desde riscos até possíveis inconvenientes para a paciente, conforme explica a médica ginecologista Camila Bessow.
Tipos de anestesia para colocação do DIU
Existem dois tipos de anestesia em inserções de DIU. A primeira é a anestesia local, que pode ser aplicada tanto em gel quanto em líquido com seringa, e essa pode ser feita em consultório. Existe ainda a sedação, mas, neste caso, o procedimento precisa ser realizado em um hospital, em ambiente cirúrgico e com a presença de um anestesista. Nesta segunda opção, a paciente dorme e não vê a colocação do dispositivo sendo feita.
— Sabemos que a anestesia local tem um efeito menor do que a sedação. Existe, geralmente, uma redução de dor, mas não existe zero dor com anestesia local. Muitas pacientes, inclusive, relatam que a dor da aplicação da anestesia local, se for feita por injeção, dói tanto quanto a inserção do DIU. Talvez por isso alguns profissionais acabam não optando por usar anestesia local em consultório — explica a médica.
Além disso, toda anestesia tem um risco, ainda que baixo, como de uma alergia, que pode ter um efeito adverso mais grave e de difícil manejo em consultório.
— É raro, mas a gente tem que explicar para a paciente. Se ela nunca fez anestesia local, por exemplo, pode ter uma alergia àquele anestésico e não saber. Sempre temos que conversar com a mulher. O médico e a paciente vão conversar e definir qual é a melhor forma — frisa.
No consultório é mais rápido
Outro ponto relevante para a questão é que a colocação do DIU em consultório é mais rápida e prática. Dura, em média, de cinco a 10 minutos e a paciente pode ir para a casa em seguida, além de não depender de nenhuma outra agenda a não ser a do médico. Ao marcar a sedação em hospital, a paciente deve chegar bem antes, fazer o período de jejum recomendado e permanecer na instituição para recuperação.
A dor muda de mulher para mulher
Camila ressalta que todos os ginecologistas acostumados a colocar DIUs já presenciaram mulheres com dor mínima, leve, moderada e forte. Por isso, é sempre feita uma avaliação prévia — se ela já tentou colocar o dispositivo antes e não conseguiu, se sofre com alguma condição, como vaginismo, ou se tem alguma doença crônica que envolva dor, como endometriose e fibromialgia.
— Não tem como a gente saber previamente como vai ser exatamente a experiência dela. A verdade é que a dor é sempre um sentimento, uma sensação muito subjetiva. Já vi todos os tipos de resposta e, realmente, é muito variável. Se formos fazer uma pesquisa, tem mulheres que odiaram colocar o DIU no consultório e tem as que adoraram e colocariam sempre. É difícil prever, mas existem algumas situações em que imaginamos que a mulher não vai tolerar muito bem. Se ela não quer passar pela dor do DIU no consultório, agendamos no hospital com sedação e todo mundo fica feliz.
Como o médico pode ajudar
A explicação de como é feita a inserção é essencial. Assim como deixar a paciente ciente de que a dor é uma possibilidade, para que assim ela possa se organizar, ir para a casa depois e fazer uso de alguma medicação. Até porque, a cólica decorrente do procedimento pode perdurar por alguns dias depois da inserção.
— Geralmente, orientamos que tome um anti-inflamatório para que já esteja com alguma medicação circulando na inserção. Dá para discutir com a paciente a questão de anestesia local. Se vale a pena, se não. Preparar a mulher para a experiência, para que ela não chegue achando que não vai ter dor nenhuma.
A médica ressalta ainda que a maioria das mulheres tolera bem a dor. E a inserção tem um bom propósito: um efeito de contracepção seguro, que dura pelo menos cinco anos. Além disso, o DIU atua no controle de sangramentos e de cólica, além de ajudar em doenças como endometriose e adenomiose.
DIU não é a única opção
A conversa entre médico e paciente também é importante porque a mulher pode optar por não colocar o DIU, já que existem outras alternativas de longa duração e eficazes, como o implante.
— Não existe método perfeito. Temos que sempre avaliar os prós e contras. Realmente, o DIU tem a questão da inserção dentro do útero, o que, para algumas mulheres, vai ser difícil. E, muitas vezes, o medo é maior do que a dor do procedimento. Se a paciente está com uma dor insuportável já antes da inserção do DIU, sempre podemos mudar de ideia e decidir por não colocar. Ela tem direito de desistir a qualquer momento, ninguém é obrigado a sentir dor.
Dor das mulheres é mais silenciada
Existem estudos que avaliam o grau de uso de medicação entre homens e mulheres. Para eles, são oferecidos mais remédios para dor do que para as mulheres, comenta Camila.
— A dor é tratada de forma diferente pela sociedade, no geral em relação às mulheres. Ainda tem todo aquele papo de que a mulher está aumentando, fazendo "mimimi". Tanto que doenças que causam muita dor, como a endometriose, podem demorar até 10 anos para ser diagnosticada porque muita gente antes vai dizer para ela que a dor é normal — pontua a especialista, ressaltando que o ginecologista tem um papel fundamental nesse quesito.