A carreira de uma das vozes femininas mais conhecidas no tradicionalismo gaúcho também teve início em 1993, na Tertúlia Musical Nativista de Santa Maria. Foi lá que Analise Severo começou a cantar profissionalmente, entoando De Coração a Coração, aos 18 anos. Participar de um festival consagrado, por onde já desfilavam importantes nomes da música nativista, foi a realização de um sonho da santa-mariense. A única gota amarga, no entanto, era olhar ao redor e sentir falta de mais mulheres como ela, mostrando talento nos festivais.
Avaliando o cenário três décadas depois, é justamente nesse aspecto que Analise vê mais evolução. Na sua percepção, hoje aos 48 anos, as mulheres são cada vez mais numerosas e protagonistas.
— Era escassa a participação feminina e nós reclamávamos, quando íamos aos festivais, pois raramente se encontrava uma colega intérprete ou compositora com quem confraternizar, trocar ideias. Na época, era bem difícil, mas noto um crescimento de lá para cá. Vejo que a gente conseguiu abrir portas e influenciar artistas a tocarem suas carreiras. Hoje, há muitas mulheres incentivando umas às outras com movimentos e encontros de compositoras — avalia.
Abrindo caminhos para si e para as que viriam depois, a artista conquistou o prêmio de melhor solista vocal feminina no Fegart 1994 (atualmente chamado Enart, Encontro de Artes e Tradição Gaúcha) e, alguns anos depois, em 1997, lançou o primeiro CD, Pra Ser Presença na Saudade. Foi levando a carreira, conciliando as funções de cantora — hoje com seis álbuns lançados —, radialista e apresentadora de festivais, sem grande resistência dos homens que a cercavam. Pelo contrário, relata que, na maioria das vezes, foi bem-recebida e mentorada pelos colegas. No entanto, assim como acontece com tantas outras mulheres, houve episódios que mostraram a cara do machismo.
— Já escutei coisas como: "Essa aí não canta, não dá nem para dançar as músicas dela. Vamos ter que trazer um grupo de homens, que têm força para tocar toda a noite". Quem é que disse que mulher não aguenta tocar a noite inteira? Olhe aí grandes artistas, como Marinês Queira ou o grupo The Alpargatas, tocando bailes. Também Berenice Azambuja, que já partiu, mas muito tocou sua acordeona em rodeios. Quando ouço essas bobagens, minha reação é chegar em casa e pensar numa letra diferente, não esmorecer com essa violência. O machismo existe, é estrutural. Cabe a nós trabalhar para mudar essa realidade — diz.
"Te apropria do que é teu" é a mensagem em que acredita e na qual ancora o seu trabalho, no sentido de ocupar espaços. Na tradição, recomenda Analise, se a mulher assim quiser, que se aproprie do microfone, realize o sonho de cantar no palco dos festivais; que comande a boleia de um caminhão, narre um rodeio, transforme-se em assadora profissional de churrasco.
— Não há nada dizendo que a gente não pode, mas cabe a nós abrir caminhos. Meu projeto de vida não é só entretenimento e alegria, é principalmente um compromisso social com as mulheres, de dar a mão, incentivá-las a realizarem seus sonhos, e ir contra a influência negativa que, muitas vezes, temos dentro da nossa própria casa, aquela que não bate, mas que diz "tu não tens capacidade" — afirma.
Um dos jeitos que Analise encontrou para apropriar-se da narrativa sobre as mulheres que é contada através da música tradicionalista foi lançar o projeto Bem Gaúcha, em 2019. Nele, foi às redes sociais e perguntou às seguidoras: "O que é que tu, mulher gaúcha, quer ouvir a teu respeito nas letras das composições?". Temas como igualdade, respeito e reconhecimento foram os que mais apareceram nas respostas e serviram de base para o trabalho, que se renova a cada ano, sempre com o objetivo de valorizar a mulher na sociedade e na formação da identidade regional.
Uma das mais tocadas chama-se Só Podia Ser Mulher, que brinca com a famosa frase machista. Junto do compositor Jean Kirchoff, Analise colocou em ritmo de xote algumas invenções femininas que mudaram o mundo: bote salva-vidas, painel solar, limpador de para-brisas, colete à prova de balas, geladeira elétrica e até a cerveja. "E o GPS, não esqueças, meu guri, que tu não vais te perder, porque a mulher criou para ti", diz um trecho.
— Acredito que os temas precisam evoluir. Nosso Estado é marcado por festivais de músicas autorais. Então, tem que mudar essa visão de que "gaúcho pode, é macho, é forte". É preciso olhar para o lado, para as grandes mulheres ao redor — recomenda ela.