Entre os meus 17 e 21 anos, colecionava cadernos. Neles, escrevia sobre tudo o que sentia, pensava e fazia. Período de paixões platônicas, início de faculdade, muito cinema e teatro alternativo, descoberta do sexo. Meu quarto na casa dos pais era um bunker onde eu escutava música e escrevia até tarde da noite. Depois escondia os cadernos no fundo de uma gaveta, embaixo das roupas, torcendo para que ninguém os encontrasse. Não havia neles a confissão de nenhum crime, a não ser o ato ilícito de questionar certos padrões que começavam a me asfixiar. Se alguém lesse, poderia se sentir magoado, mas eu precisava continuar escrevendo, de preferência sem sonegar minhas aflições. Foi quando me refugiei na poesia, criando meus primeiros versos – a literatura também é um belo esconderijo.
Valeria Cossati, no início dos anos 1950, tinha um caderno ainda mais secreto. Mãe de um casal de filhos adultos e esposa exemplar de um homem sem graça, começou um dia a escrever sobre seu cotidiano banal, sobre a falta de perspectiva, sobre sua dedicação sem limites para a família. Aos poucos, esses desabafos foram revelando a raiva contida. Ela começou a enxergar com mais clareza as injustiças de uma sociedade que não dava à mulher o direito de buscar saídas para encontrar a si mesma. Escrevia em segredo, quando todos estavam dormindo, temendo o dia em que seu caderno fosse descoberto. Valeria é a personagem do livro Caderno Proibido, da italiana Alba de Céspedes, que traz as divagações de uma mulher que, felizmente, hoje não precisa mais se torturar por possuir desejos “inapropriados”.
Já não escrevemos à mão em diários ocultos, ao contrário: divulgamos em plataformas digitais tudo o que nos diz respeito, atingindo milhares de pessoas que nem conhecemos. É o inverso da discrição: nos recusamos a manter em privacidade o que, um dia, foi considerado assunto íntimo.
Saímos da submissão humilhante para a visibilidade desavergonhada. O livro de Alba de Céspedes confirma o quanto evoluímos na conquista da nossa liberdade. No entanto, o salto entre esses dois estágios é sempre doloroso. Estamos mais expostas, e apesar de ainda lidarmos com tentativas de dominação, não voltaremos para aquele lugar silencioso onde as moças educadas não piavam. Ainda assim, por mais atuantes e bem resolvidas, sempre haverá dentro de nós algo inaudito, secreto. Vontades que ainda nos parecem criminosas por terem uma essência egoísta: quantas mulheres conseguem pensar primeiro em si mesmas? Não é fácil ser 100% autêntica sem ofender a quem amamos.
Seja como for, é um salto que tem que ser dado, se quisermos que a nossa história continue a ser contada – às claras e sem culpa.