A atriz e comediante Angela Dippe, 61 anos, já havia relatado em janeiro sobre como usa suas peças de teatro e vídeos de humor para quebrar com a mania da sociedade de não enxergar a mulher madura, algo que já sentiu na pele na hora da paquera:
— Meus trabalhos falam muito sobre os preconceitos com a mulher mais velha, sobre virar a tia do rolê, ficar invisível e ninguém mais te paquerar. Eu lembro até hoje da primeira vez que me chamaram de senhora. Estava na academia, vi um cara me olhando e já achei que eu estava arrasando. Até que ele chegou para mim e falou: "Posso revezar com a senhora?". Aquilo ficou na minha cabeça, ressoando — contou, na ocasião.
Justamente essa invisibilidade é um fenômeno que permeia diferentes esferas na vida da mulher, principalmente dos 50 anos em diante, causando sofrimento, solidão, insegurança e revolta. Por esse motivo, defendem especialistas consultadas a reportagem, precisa ser combatida tanto de forma ampla, na sociedade, quanto no íntimo de cada um.
Luta interna
Para a dramaturga e diretora de teatro Patsy Cecato, 62 anos, a experiência com a “invisibilidade” tem sido diferente. No período entre a chegada da menopausa e a “aceitação da maturidade”, ela relata que chegou a sentir que “a vida tinha terminado” e que passou por um processo de luta interna. A batalha foi contra o etarismo que havia cultivado dentro de si mesma durante a vida inteira, que voltou-se contra ela.
— No momento de fragilidade, quando a sua juventude “está morrendo”, você dá toda a razão para a sociedade, acha que está certa em taxar você de velha e te deslocar para o canto, afinal, foi isso que você fez a vida inteira. Você também pensava "que chato essas pessoas atrapalhando na rua, andando devagar” e “por que ela não se aposenta de uma vez e dá lugar aos jovens que precisam trabalhar”. Essa sua voz interna está representada em toda a sociedade que agora está apontando o dedo pra você — relembra Patsy.
Passada a turbulência inicial, explica a dramaturga, veio o entendimento de que a nova fase era um momento de empoderamento e novas possibilidades, na qual poderia viver dando menos explicações aos outros, focada nas suas realizações e em produzir trabalhos com propósito. Foi aí que percebeu haver uma expectativa social de que a mulher “se recolha” quando envelhece. Isso ficou claro quando Patsy deparou-se com concursos e editais que só aceitavam inscrições de pessoas com até 30 anos, ou com a fala de um colega de mestrado que, ofendido por uma brincadeira feita por ela, decidiu usar “velha” como xingamento.
— Ele apontou o dedo na minha cara, dizendo que eu era muito velha para agir do jeito que agia, fazendo brincadeirinhas. Então, por eu ter a minha idade, eu deveria ter um comportamento irrepreensível, deveria estar lá mas passar despercebida, entrar na invisibilidade de que estamos falando. Ali eu entendi como os mais jovens desejam invisibilidade para os mais velhos. Eles não querem ter que se ocupar com a gente e, para nos tolerar, é melhor que a gente não apareça muito — ironiza Patsy.
Invisibilidade, braço do etarismo
Tanto os homens como as mulheres são impactados pela invisibilidade que assola as pessoas mais velhas, frisa a pesquisadora em envelhecimento e longevidade Gisela Castro, pós-doutora em Sociologia pelo Goldsmiths College e professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da ESPM-SP. Os exemplos estão aí aos montes: em uma festa de família na qual ninguém conversa com o idoso, nas sinaleiras que ficam abertas aos pedestres por poucos segundos, em uma consulta médica em que o profissional dirige a palavra não ao paciente idoso, mas ao seu acompanhante mais jovem.
A invisibilidade, segundo a pesquisadora, está relacionada ao que ela chama de “imperativo social da juventude”, um fenômeno que começou a aparecer com força por volta dos anos 1960 e que perdura até hoje. A juventude deixou de ser associada a uma fase da vida e passou a ser um atributo exigido em qualquer idade.
— A gente foi criando uma aversão ao envelhecimento e passou a celebrar uma eterna juventude, idealizada como bela, libertária e maravilhosa. Nem sempre foi assim. Em outras épocas, as mulheres que se casavam adotavam toda uma sobriedade de vestimentas e atitudes porque era considerado de bom tom se apresentarem como senhoras. Assim como os homens tingiam as têmporas de grisalho para parecerem mais velhos, já que, para exercer certas profissões, era malvisto ser muito jovem. A maturidade era mais celebrada, era valorizada socialmente — afirma.
Mas a atual discriminação com base na idade, explica Gisela, tende a ser uma violência mais cruel com as mulheres pelo fato de que elas são mais julgadas em função da aparência do que os homens. Sendo assim, é como se perdessem mais valor no momento em que as rugas começam a surgir e os cabelos vão ficando grisalhos.
— Enquanto o homem é olhado no seu conteúdo, infelizmente a aparência ainda é considerada como principal atributo da mulher. Essa cobrança é muito em função de uma indústria multimilionária ativa em pautar a aversão ao envelhecer. Tem que eliminar as rugas, tem que fazer uma série de procedimentos e dão a isso o nome de “autocuidado”. Então tudo se passa como se nós, mulheres, fossemos capazes e, mais do que isso, socialmente obrigadas a congelar uma eterna aparência de meia idade. É um conceito de beleza muito estreito, e o envelhecimento é visto como uma coisa da ordem do obsceno. Há uma condenação moral no deixar-se envelhecer — argumenta Gisela.
A luta é denunciar e mostrar o tanto que isso é absurdo e como causa sofrimento
GISELA CASTRO, PESQUISADORA EM ENVELHECIMENTO E LONGEVIDADE GISELA CASTRO
SOBRE ETARISMO E INVISIBILIDADE
Na opinião da pesquisadora, a mulher hoje em dia começa a "perder valor" por volta dos 45 ou 50 anos, mas não por conta de estar se aproximando da menopausa, e sim porque já não estaria mais "no auge da sua juventude". E essa perda de valor no mercado das subjetividades pode provocar sofrimento e solidão na medida em que faz com que essas mulheres sejam consideradas inadequadas para paquerar, conviver, contratar ou até mesmo dar a sua opinião. Tornam-se, de certa forma, invisíveis.
— A pessoa vai ficando sozinha, vai desistindo. Tudo isso se passa como se fosse muito natural, mas não é. A pessoa tem que ser valorizada em qualquer época, por outras coisas que não só a idade ou a aparência. É algo grave que estamos permitindo que ocorra, enquanto sociedade. A luta é denunciar e mostrar o tanto que isso é absurdo e como causa sofrimento — conclui.
Dano pode ser autoinfligido
O outro lado da moeda também existe e causa danos. Conforme explica a psicóloga Simone Bracht Burmeister, mestre em gerontologia biomédica e coordenadora do Núcleo Longevidade do Centro de Estudos da Família e do Indivíduo de Porto Alegre (CEFI), a invisibilidade muitas vezes é autoinfligida.
O fenômeno ocorre quando as mulheres acreditam que de fato valem menos por estarem mais velhas, e que deveriam fazer como atrizes de Hollywood, “retirando-se de cena” antes de aparentarem os anos que tem. Ou então deveriam desistir de algum projeto ou alguma vontade por estarem “velhas demais”.
Para a psicóloga, a aceitação de que o indivíduo tem valor em qualquer idade é um processo pelo qual a sociedade como um todo precisa passar, sim, mas cada pessoa individualmente precisa internalizar isso também.
—Cada uma de nós precisa se reconhecer como mulher em qualquer idade, conhecer sua identidade, saber o que quer ser e fazer, pensar em como vai se sentir feliz. O melhor é ela se impor com os vários anos dela e dizer “eu ainda sou uma mulher, ainda posso ser bonita, posso ter relacionamentos, posso me cuidar sozinha” — orienta a especialista.