Aline Borges está na crista da onda, surfando o melhor momento de sua carreira de 27 anos. Dar vida a Zuleica na novela Pantanal, da TV Globo, colocou a carioca de 47 anos em um novo patamar de reconhecimento como atriz e acelerou o fluxo de novas oportunidades.
Foi num precioso dia de folga da gravação dos episódios finais da novela que ela conversou com a revista Donna por telefone, direto da sua casa no Rio de Janeiro. E não só falou como também cantou: com sua voz doce, Aline deu uma palhinha da primeira música que está gravando, um dos seus próximos projetos.
Por áudio não deu para ver o sorriso, mas a alegria aparece toda vez que ela descreve essa nova fase da vida em que as pessoas passaram a abordá-la sem cerimônia na rua, no caixa do supermercado e até em shows. A atriz diz que gosta da atenção, porque serve de termômetro, indica que sua entrega está tocando o público.
— Esses dias, fui para a multidão no Rock in Rio. Acontece que acabei ficando uma meia hora fazendo fotos com quem me reconhecia. Mas como é que eu vou me incomodar com isso? Eu acho maneiro! Ouvi tantas palavras positivas que voltei para casa abastecida de muita luz — relembra.
Enquanto a carreira muda vertiginosamente, no âmbito da vida pessoal, os valores permanecem no mesmo lugar: a carioca preza por continuar construindo um caminho de energia boa para si, o que faz respeitando as suas vontades, conectando-se com a natureza e cultivando “amor pela vida”, pelos filhos e pelo marido Alex Nader.
Sobre o relacionamento, que define como casamento aberto, Aline não poupa palavras para demonstrar que está feliz e apaixonada há 13 anos dentro de sua primeira relação não-monogâmica. Como ela mesma diz, “o Brasil talvez não esteja preparado para essa conversa”, mas vamos a ela:
Queremos te conhecer melhor. Quem é você?
Sou uma mulher fruto da resistência, que acredita na vida, é sensível para caramba e que está se encontrando nesse momento planetário em que vivemos. Venho de uma família simples, de pessoas que se amam. Estou buscando me firmar no caminho da luz e no caminho do amor, que me conduz muito nesta encarnação. Sou viciada em viver bem e busco sempre zelar pelo meu caminho para não entrar em guerras e discussões desnecessárias. E também sou ariana, sou fogo, tenho a impulsividade no sangue, mas conforme amadureço consigo me controlar mais.
O que está mudando na tua vida por conta da grande visibilidade de Pantanal?
Eu sou artista há 27 anos e, de lá para cá, fiz muito teatro e coisas pequenas na TV. Mas a novela, com certeza, me coloca em um outro lugar. Com essa personagem, as pessoas estão tendo muito mais acesso ao meu trabalho, recebo mensagens dizendo “nossa, onde é que você estava que eu não te conhecia? Que grande atriz é você, já sou sua fã”. E aí você vê a importância desse alcance que a TV Globo tem, porque para a gente se firmar neste caminho, que é de muita concorrência, precisamos ter a oportunidade de mostrar o nosso potencial. E isso abre portas, uma coisa puxa a outra.
Quais são os frutos desse momento?
Eu acabei de assinar com a Netflix para fazer um projeto muito especial do qual eu ainda não posso falar muito, mas já estou em preparação. Talvez o meu coração não esteja tão apertado com o fim de Pantanal porque já estou colocando o meu pezinho neste outro trabalho. É um nicho totalmente diferente de tudo o que eu já fiz até hoje, mas darei o meu melhor. Tenho paixão pelo meu ofício e quando estou fazendo algo que me fervilha por dentro, me torno disciplinada. Gosto de entregar o meu melhor e sou muito exigente comigo. No decorrer de Pantanal, sofri muito, porque acabava a cena e pensava “que merda”. Só agora, no final da novela, que eu consegui gostar de uma cena ou outra, mas em geral estou sempre achando que poderia fazer melhor.
Há mudança no âmbito financeiro também?
Hoje empresas estão me enxergando e me consultando com valores que antes não chegavam para mim. Meus trabalhos como atriz já foram para outro lugar de valor, as propostas mudaram e isso é muito bacana. Mas por outro lado, tem um lugar da Internet que eu ainda não alcancei. Se você é alguém com mais de 1 milhão de seguidores, teu valor será um. Se você tem menos, será outro. Quando comecei a novela eu tinha 75 mil seguidores e hoje tenho 215 mil. Para mim, isso é coisa para caramba, só que não é nada se você for falar de valores. E as empresas estão cada vez mais ligadas nesse número de seguidores que o ator tem no Instagram e nesse lugar eu ainda estou engatinhando. O valor do artista hoje é algo muito confuso.
Você é casada há mais de uma década, certo?
Sim, sou casada há 13 anos com Alex Nader que é meu amorzão da vida. Nos conhecemos há quase 23 anos, mas ainda não era o momento de ficarmos juntos. Eu fui casada por sete anos com outra pessoa e ele também. Nos tornamos amigos, mas sabíamos que a nossa história ia acontecer. Passados nove anos, nos reencontramos e ficamos juntos de vez. Nossos dois filhos são a Nina, 11, e o Tom, 19, que é fruto do casamento anterior do Alex mas mora conosco, somos em quatro aqui em casa.
Vocês vivem um casamento aberto. Como funciona essa dinâmica para vocês?
Aprendi no casamento que você precisa respeitar muito a si mesmo em primeiro lugar. Não pode passar por cima das suas vontades e de quem você é para estar com o outro, se não isso te adoece e logo aí o relacionamento morre na praia. Também é preciso conhecer bem o outro e querer muito estar junto. Casamento sempre é desafiador, seja ele fechado, aberto ou em qualquer outro formato. Acho que quando você estabelece códigos na relação e respeita eles, tudo flui melhor. Mas é preciso que este acordo esteja muito maduro para as duas partes, não pode ser bom para apenas um dos lados. Dentro do nosso código há muito respeito pela individualidade do outro já que entendo que casamento não é uma prisão, um lugar onde você precisa se fechar para a vida. A parceria que temos é de viver e celebrar a vida juntos e de sermos felizes separados também. Mas isso é uma construção. Todas as minhas relações anteriores foram monogâmicas e fechadas, onde eu estava ali, sendo fiel, e depois descobria que tinham me colocado chifres. Há uma hipocrisia muito grande na nossa sociedade.
E há espaço para amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo?
Tudo é possível, vai muito do entendimento do que é amor para cada pessoa. Essa coisa de achar que o outro é uma posse sua e que ele não pode se encantar por outras pessoas é algo que eu não consigo entender. Porque eu me apaixono pelas pessoas, e não estou falando de um lugar apenas sexual, e sim de olhar para os outros e se encantar. Dizer que “entrei num relacionamento e agora só posso me interessar por ele” não combina comigo, sejamos livres com os nossos sentimentos. Mas olha, acho que isso é uma conversa para a qual o Brasil ainda não está preparado. Infelizmente, vivemos em um país muito preconceituoso, machista e misógino, então é tudo muito devagar. Tenho esse pensamento mas sei que a maioria não entende, por isso digo apenas “amores, cuidem da própria vida que já é muita coisa”. Não julgo ninguém que tenha casamento fechado, estou apenas dizendo que esse tipo de convenção não cabe para mim.
Você disse recentemente que se entendeu como uma mulher preta depois dos 40. Como foi esse processo?
Se a gente não vem de uma educação com entendimento racial e sobre a história do povo preto, a gente se perde. Venho de uma família em que os pais são pessoas pretas de pele clara que não tem entendimento racial. Somente aos 43 anos fui questionar quem eu era e de onde eu vinha, porque antes eu achava que eu era uma mulher branca, já que eu tenho a pele clara e não retinta.
Só que eu não tenho nenhum privilégio de mulher branca, basta olhar para as personagens que eu fazia. Eu sempre era chamada para fazer a empregada, a copeira, personagens que estão no estereótipo da mulher preta. Além disso, as pessoas também falavam “Você não é preta não, tá doida?”. Então é uma confusão muito louca que fazem na nossa cabeça. Por conta disso, a gente se afasta da nossa ancestralidade e de todas as referências que vêm do povo preto. Quando eu entendi que mesmo tendo a pele clara sou uma mulher preta, fui pesquisar e correr atrás de me conectar com as referências que vieram antes de mim.
Como é a sua relação com a maternidade?
Eu queria muito ser mãe mas acabei não tendo filhos mais cedo. Meu ex-marido até queria, mas sabe quando não é para ser? Já quando reencontrei Alex, parei de tomar a pílula e no mês seguinte estava grávida da Nina. Foi maravilhoso. Eu não consigo nem imaginar o que é, para uma mulher, ficar tentando engravidar durante anos e não acontecer. É uma luta para a cabeça. Hoje eu já penso que, se vier uma vontade muito grande de ter mais um filho, vou adotar.
E você se encontrou no papel de mãe?
Me encontrei direto. A vida inteira vi minha mãe sendo uma mãezona, mãe leoa de cinco filhos de quem ela cuida muito até hoje. E assim que a Nina nasceu, eu tive a benção ficar contratada por mais de dois anos em uma emissora sem ser chamada para gravar, de forma que pude ficar full time com a minha filha, sendo aquela mãezona que fazia tudo. Não deixava Alex fazer nada pois eu acreditava que só eu ia saber cuidar dela, fazer sua comida, botá-la dormir. Até que chegou uma hora em que fiquei esgotada, irritada, uma confusão na minha cabeça. E aí eu tive que ir desconstruindo isso. E ele respeitou meu momento e me ajudou a entender que poderíamos dividir. Aos poucos fui delegando.
Como é criar uma garota de 11 anos em 2022?
É conversando muito e de forma franca, mostrando a realidade da vida para ela. Também é ficando muito atenta para que eu não me deixe ser engolida pelas demandas do trabalho e acabe esquecendo que educar é no dia a dia, na prática, nas referências que damos a ela, na forma como agimos e vivemos. Se eu estiver com a minha cabeça consciente e atenta vou errar menos, e essa criança que está crescendo observando minhas atitudes provavelmente vai errar menos lá na frente. Educamos o Tom também e fico muito feliz pela oportunidade de ensiná-lo a respeitar as mulheres e a trabalhar por uma sociedade mais justa, mais empática e menos machista. Estamos criando filhos muito conscientes, que não estão de bobeira.
Qual o papel da espiritualidade na sua trajetória?
Eu comecei a firmar o meu caminho na espiritualidade depois que tomei ayuasca pela primeira vez, há mais de 10 anos. Isso fez toda a diferença na minha vida e na minha trajetória porque foi a partir desta planta de poder que eu comecei a fazer um resgate de quem eu sou, tomei coragem para buscar o meu caminho e assim fui fortalecendo e refazendo as minhas relações. Reconstruí a relação com os meus pais, por exemplo.
A ayuasca é um expansor de consciência e me fez entender que eu precisava parar de bater de frente com minha mãe de mais de 80 anos, parar de tentar fazê-la pensar diferente e só oferecer amor e acolhimento. Já hoje em dia eu estou muito conectada com a força dos orixás, a energia do candomblé.
A gente não frequenta um terreiro, mas dentro da nossa casa trazemos a energia dos orixás, fazemos nossa gira na fogueira, usamos branco às sextas-feiras, acendemos velas e sentimos a presença deles nas nossas vidas, conduzindo e protegendo nossa caminhada. Inclusive, acabei de fazer uma primeira música para mamãe Oxum e estou gravando em estúdio.
Achava que era branca, já que tenho pele clara. Só que não tenho privilégios de mulher branca. Basta olhar para as personagens que eu fazia.
ALINE BORGES
Atriz
Qual é a história dessa música?
Eu e Alex estávamos em uma cachoeira durante a pandemia, tocando violão, e tínhamos acabado de fazer uso do rapé, que é uma medicina indígena. De repente fiquei olhando para a cachoeira, fui vendo aquela água correndo e comecei a limpar os meus pensamentos e me curar. E aí veio na minha mente o refrão inteirinho: “Tudo flui. Quando olho para você, meu coração acalma. É você quem me conduz nas águas, é quem lava minha alma” (canta).
E tomando banho, no dia seguinte, com a água caindo na cabeça, veio o restante da letra, que cantei inteirinha. Eu sou uma atriz, mas sou também uma artista que ama cantar e dançar. Eu quero cantar essa música no Altas Horas, com os pés no chão, vestida de branco. Estamos conversando para ir lá e eu já disse para a minha assessora “Fala para o Serginho que eu me vejo cantando essa música lá!”. Acredito que somos cocriadores do nosso caminho e que quando visualizamos algo, precisamos dar força àquilo.
O que você visualiza para a Aline no futuro próximo?
Desejo de verdade que ela abandone os medos no caminho, que ela entenda o poder que ela tem e a potência que existe dentro dela. Desejo que ela aposte de verdade nela e assuma o lugar que ela veio ocupar nessa passagem da vida. Que ela seja luz, não sucumba e não dê sequer um passo atrás.