A torcedora Thais Ribeiro, de 27 anos, afirma ter sido vítima de machismo por parte de funcionários da Arena do Grêmio no jogo que ocorreu na tarde deste domingo (31) e expôs o caso nas redes sociais. No início da partida entre Grêmio e Palmeiras, que começou às 16h, a analista financeira foi abordada por uma agente do estádio, vestindo um colete de identificação amarelo, que a orientou a "baixar o short". Thais conta que não entendeu o motivo da solicitação e questionou a funcionária, que não deu maiores explicações. Como a torcedora se negou a cumprir a ordem, foi convidada a se retirar do estádio e impedida de assistir ao jogo.
— Estava no setor ao lado da Geral, gosto de cantar, apoiar mesmo. Vou ao estádio desde criança e isso nunca tinha acontecido. Havia muitos homens sem camisa, estava muito calor, e o meu short era quase na altura do joelho. Era um calção com a ponta dobrada. A funcionária foi ríspida comigo, autoritária. Não consegui acreditar no que estava acontecendo, fiquei em choque — relembra Thais.
A analista financeira mora em Rio Grande, no sul do Estado, e, como de costume, vem assistir aos jogos do Grêmio de excursão com amigos. São mais de cinco horas de deslocamento no transporte coletivo para acompanhar o time de perto. Thais explica que veio de calça, mas, devido ao calor, comprou um calção de um vendedor ambulante no caminho para encarar as altas temperaturas em Porto Alegre.
A torcedora conta que, mesmo incrédula após o episódio, não ofereceu resistência e foi acompanhada para fora da Arena. Abalada, decidiu buscar ajuda na ouvidoria do clube. Foi quando passou por mais uma situação que classificou como machista: ao ser atendida no local, ouviu de uma outra agente que "estava em um estádio e que precisava se dar ao respeito". Ainda segundo Thais, os funcionários se negaram a revelar seus nomes, por isso, ela tentou fazer fotos para comprovar o que estava vivendo. Então, a agente da ouvidoria arrancou o celular de suas mãos e a empurrou, conta a jovem.
— Fiquei muito nervosa, chorando, comecei a tremer, implorei para devolveram o meu celular. Me senti humilhada, diminuída, ninguém me dava atenção, suporte, e eu não tinha feito nada demais. Estava vestindo um calção com a barra dobrada. Estou sempre lá para o Grêmio, um amor infinito, e ninguém me ouvia — desabafa.
Depois da confusão, Thais foi encaminhada ao Juizado do Torcedor e orientada a registrar um boletim de ocorrência. A analista financeira acabou não realizando o B.O em razão da demora no atendimento e de seu estado emocional. Decidiu se dirigir ao ônibus da excursão, onde aguardou os amigos saírem do estádio – ela foi a única do grupo que não conseguiu ingresso para a Geral, por isso ficou em outro setor.
Desde a liberação da torcida nos estádios, Thais havia voltado a frequentar a Arena. Agora, confessa estar abalada e insegura para voltar a acompanhar seu time de perto.
— Meu sentimento é de constrangimento, de vergonha, e eu não fiz nada. Penso em buscar meus direitos judicialmente, fui humilhada, desrespeitada e menosprezada. Não vou me calar porque ninguém merece passar por isso.
Contraponto
Procurada pela reportagem de Donna, a assessoria de imprensa do Grêmio afirmou que a orientação para "baixar o short", dada a Thais, não tem vinculação com o clube, e é de autoria de uma das monitoras da Arena. O clube também se manifestou sobre as falas da funcionária da Ouvidoria. Veja a nota enviada a seguir:
"A ordem de baixar o short não tem nenhuma relação com o Grêmio. Foi dada por uma monitora da Arena, com quem se deve pedir um esclarecimento.
A funcionária da Ouvidoria negou que tenha dito algo neste tom pejorativo para a torcedora. Segundo seu relato, questionou como poderia ajudá-la e a encaminhou e acompanhou até o Juizado do Torcedor para que ela registrasse o Boletim de Ocorrência.
Por fim, o Grêmio deve aprimorar a gestão com a Arena, no que tange às condutas e comportamentos dos orientadores, e dará retorno à torcedora assim que tudo for devidamente apurado."
A assessoria de imprensa da Arena, empresa responsável pela gestão do estádio, informou, em nota, que não há uma orientação expressa aos monitores que trabalham nos jogos sobre observar a vestimenta dos torcedores. Ainda segundo o texto, a empresa ressalta que "existem várias versões diferentes" sobre o fato e que a Arena está "apurando mais detalhadamente". Leia o comunicado a seguir:
"A Arena do Grêmio informa que não existe nenhum protocolo repassado aos orientadores para que observe sobre vestimentas dos torcedores. Sobre o caso em questão, esclarece que existem várias versões diferentes, e na versão divulgada pela torcedora nas redes sociais existe uma série de inconsistências. Desta forma, estamos apurando mais detalhadamente para posterior nos posicionarmos".
Leia o relato da torcedora
"Dentre tantos jogos presenciados na Arena do Grêmio, esse me doeu pela primeira vez. E também me doeu ser mulher e existir, pela primeira vez. Só porque estava de short no setor Gramado Nordeste, no meio de inúmeros homens sem camisa, uma mulher – a qual não quis se identificar – ordenou baixar meu short. Sim. 31 de outubro de 2021, uma mulher mandou baixar o short, o qual estava na altura de um calção de homem, próximo ao joelho.
Me neguei devido ao calor e também devido aos homens e estarem sem camisa no estádio, e principalmente porque não queria! Na realidade, nem deveria relatar justificava alguma. Apenas "não quero" deveria ser o bastante, porém, fui convidada a me retirar. Por ser mulher. Usar short em um estádio de futebol. Em 2021.
E bom, ao tentar um suporte junto à ouvidoria do Grêmio mandaram eu me "dar ao respeito". Por um short. Na altura do joelho.
Sensação de humilhação ao último Grêmio FBPA e Arena do Grêmio o qual jamais esperava.
Apenas queremos ser mulheres e exercer nosso direito da forma que for. Jamais abaixo minha cabeça, não me limito e vou ser e usar o que quiser sempre da forma que eu quiser, o mínimo que eu espero é respeito de todo e qualquer ser humano.
Nossa luta é árdua e diária, dolorosa. Lutamos apenas pra existir. Não vamos nos calar. Jamais!"