A tensão que tomou conta do plenário da Câmara de Vereadores de Porto Alegre nesta quarta-feira (1º) pode ser observada em diferentes momentos durante o debate sobre temas como a extinção dos cobradores e de isenções nos ônibus, além da privatização da Carris. Desde a entrada dos trabalhadores e a ocupação do plenário, aos embates na tribuna e mesmo durante a votação em si dos projetos enviados pelo Executivo.
Mas há um momento que deve ser subtraído deste ambiente de discussão porque precisa ser repudiado por qualquer que seja o indivíduo que tenha apreço e respeito à dignidade humana: o episódio envolvendo a vereadora Bruna Rodrigues (PCdoB).
Contou Bruna à coluna e à própria Câmara de Vereadores que um colega vereador em dado momento se aproximou dela, como que para cobrar o porquê de uma divergência. E se referiu assim:
- Tu só pode ter muito tesão em mim.
A vereadora, segundo narrou à coluna, demorou a acreditar no que tinha ouvido, ali no mesmo plenário em que no início do mandato ela chegou a ser barrada por três vezes. Bruna é negra, jovem e está em seu primeiro ano no Legislativo na Capital. Foi eleita com 5.366 votos.
Voltemos à cena. Como é comum em momentos em que uma mulher é agredida (física ou psicologicamente), contou ter percebido a culpa se aproximar como se ela tivesse sido responsável pelo corrido. Pensou: "por que comigo?", "o que foi que eu fiz?".
E reagiu, respondendo ao vereador que havia se dirigido a ela. Bruna lembrou ao colega sobre o espaço em que estavam ocupando, alegando que ali em especial era necessário um diálogo com respeito. Afinal, estavam na Câmara de Vereadores.
— Não vou aceitar, em nenhum momento, tamanho desrespeito. Tu é um vereador, eleito como eu, e precisa se portar — disse a parlamentar, segundo relato da colunista Rosane de Oliveira.
Uma funcionária que viu a cena — e não quis se identificar — chorou, diante do absurdo. Um outro servidor procurou a vereadora e fez questão de se desculpar, se dizendo envergonhado, enquanto pai de duas crianças. O colega Cláudio Janta subiu à tribuna e demonstrou solidariedade, assim como o fizeram se dirigindo diretamente a ela outros vereadores de diferentes campos políticos.
O vereador, por sua vez, negou ter proferido tal comentário.
O episódio descrito acima é apenas parte de um comportamento que para além do inadequado, é absolutamente inadmissível. Como tal, deveria servir de exemplo pedagógico sobre como não se deve proceder em relação a uma mulher, seja ela vereadora, jornalista, psicóloga ou advogada. É repugnante, não pode jamais ser naturalizado.
Sob nenhuma hipótese é aceitável que uma mulher seja questionada sobre seus posicionamentos críticos a partir de uma provocação com conotação sexual. Trata-se de um ataque sexista, sim, e completamente desrespeitoso.
Aliás, não é de hoje que as mulheres sofrem com este tipo de abordagem no espaço público. Na mesma Câmara, a vereadora Mônica Leal (PP) já foi chamada de histérica, no Congresso, uma deputada federal ouviu que não deveria ser estuprada porque era feia, e mesmo a esposa do atual presidente da República viu seu nome envolvido em especulações sobre fidelidade conjugal, com um único e sórdido objetivo: sugerir a "fragilidade" de seu marido — como se não houvesse outros argumentos para criticá-lo.
Diante disto, nos resta observar atentamente qual será a atitude a ser tomada pelo comando da Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Compactuar com abusos não é somente imoral. É contribuir para a perpetuação de uma visão equivocada de sociedade, que insiste em nos provar todos os dias que as mulheres valem menos que os homens.