De todas as noivas para quem Júlia Piccoli já desenhou o vestido da cerimônia, apenas uma se casou na igreja. Talvez isso ajude a entender a pegada do trabalho da estilista de 36 anos, a caçula das Piccoli. Para se ter uma ideia, a primeira coleção autoral para noivas assinada por ela não tinha um só vestido branco.
– E o ensaio fotográfico foi clicado na Ilha do Presídio. Claro que não contei antes para elas (mãe e irmãs) – diverte-se a designer. – O início foi chocante, até porque a minha noiva é diferente da noiva delas.
De fato, as criações de Júlia são as que mais se diferenciam do trabalho da família. As “suas” noivas buscam um vestido que fuja ao tradicional. Estão ali as rendas, os bordados e o tule, sim, mas com um perfume vintage. Ela é apaixonada pela linha boho, com uma pitada de romantismo – que tem tudo a ver com casório na praia ou no campo.
– A noiva para quem eu crio quer levar o estilo dela para o casamento. Tudo vai ter a cara do casal – explica.
Como, por exemplo, a vez em que ela desenhou o vestido para um casamento xamânico. Foi no melhor “estilo EAD”, brinca Júlia: a estilista não viu uma única vez a noiva ao vivo. Todas as conversas ocorreram por chamadas de vídeo.
Mesmo tendo como mãe Solaine Piccoli, uma das mais requisitadas estilistas de noiva do Estado, a moça ruiva e tatuada só percebeu que realmente queria passar seus dias em um ateliê há pouco mais de três anos.
– Não queria fazer faculdade de Moda. Era uma jovem rebelde! – lembra, entre risadas. – Por ter crescido no ateliê não era algo que curtia tanto desde criança. Nunca quis trabalhar com noivas – confessa.
Depois de prestar vestibular para Arquitetura e Publicidade e Propaganda, Júlia acabou optando, finalmente, pelo curso de Moda. Formada, trabalhou com design de calçados. Após cursar mestrado em Portugal, passou a dar aulas na Feevale, em Novo Hamburgo. Mas nunca deixou de estar no ateliê da mãe – inclusive, desenhando vestidos para a marca Solaine Piccoli, em parceria com a irmã mais velha, Gabriela. Mas o estalo ainda não tinha vindo.
Até que, um dia, uma amiga pediu que ela criasse seu vestido de noiva. Fazia questão. Ao ver o resultado do trabalho, um fotógrafo chamou Júlia para uma parceria em um ensaio de noivas. Acabou não dando certo. Solaine, ao perceber o sentimento de frustração da filha, lançou a ideia.
– Júlia, esquece esse vestido e faz outro – sugeriu.
Pois ela não criou um, mas, sim, seis modelos diferentes. Era o empurrão que precisava. O olhar atento e certeiro da mãe achou que era hora da guria ir além: que tal uma coleção com a assinatura Júlia Piccoli? Desde 2016, os croquis de seus vestidos não param de se multiplicar.
O estilo dela
Suas criações são guiadas pela memória afetiva. Em vez de comprar as últimas novidades no mercado têxtil, a estilista prefere buscar no depósito do ateliê rendas esquecidas que ganham nova vida em suas mãos:
– Pego duas ou três rendas diferentes e vou compondo até criar outra.
Muito além do branco, a paleta de seus vestidos inclui tons de rosé, azul e off-white, tudo a partir de tingimento natural. Diferentes texturas de tecidos ganham um toque ainda mais especial com bordados feitos à mão, como a aplicação de flores e pedrarias.
Júlia por Solaine
"Júlia tem uma pegada supercool. É criativa e tem uma grande sensibilidade. Ela se inspira a partir dos tecidos. Acha uma renda que está há 20 anos na caixa, tinge. Pega coisas que não tinham valor e faz vestidos magníficos. Essa percepção de reciclar tem tudo a ver com o hoje."