Quando Daniel compra uma peruca nova ou uma roupa extravagante, a mãe, Cristina Monção, tira fotos e compartilha todos os detalhes sobre as peças com suas amigas do Mães pela Diversidade. Ali, sente que há mulheres que vibram por seu filho de 19 anos – ele se identifica como uma pessoa trans não binária. Ou seja, não se considera do gênero feminino nem do masculino.
Há cerca de cinco anos, ainda adolescente, Daniel contou para a família que era bissexual. Para Cristina, foi um baque. Mas o choque passou rápido: engoliu as lágrimas e se colocou à disposição do filho para encarar a luta que estava por vir, inclusive dentro da família.
– O pai foi mais resistente. Eu disse: "Se não quer estar ao lado do teu filho, faz as malas e vai embora. Eu assumo". Ele colocou a cabeça no lugar. Estamos casados até hoje e veja só: o pai já participou da Parada Livre empunhando a bandeira trans (risos) – lembra a mãe, que trabalha com vendas.
O período escolar foi um grande desafio para Daniel e, por tabela, para a família. Até um professor foi acusado de praticar bullying porque achava que o menino “dançava de forma afeminada demais”. Resultado: o garoto se transformou em drag queen e desfilou pelo recreio como forma de protesto. A família foi chamada pela direção, conta Cristina, e se uniu para defender o filho:
Não fiquei no armário nenhum dia. Quando ele se assumiu, eu me assumi também.
– Cogitamos processar, mas o diretor se desculpou, e o Daniel disse que não queria levar isso adiante. Só queria que todo mundo aprendesse a respeitar as diferenças. No dia seguinte, os meninos vieram com roupas de menina, e as meninas vestidas de menino. Foi lindo esse apoio, senti orgulho do meu filho.
Para passar por tudo isso, o garoto precisou de apoio psicológico. E foi um dos médicos do jovem que apresentou o Mães pela Diversidade para Cristina há cerca de um ano, pouco depois de Daniel comunicar que se identificava como não binário. Apesar da parceria dentro de casa, ela ainda se sentia sozinha na caminhada materna.
A solidão só foi embora quando passou a trocar experiências com outras mulheres que amavam seus filhos, mas também tinham dúvidas e anseios:
– Não fiquei no armário nenhum dia. Quando ele se assumiu, eu me assumi também. Mas isso não quer dizer que foi fácil, e acho que nunca será. É muito preconceito, sofrimento e são muitas piadas. No Mães, nos apoiamos para lutar pelo direito de nossos filhos serem quem são. É uma luta diária.