No dia 6 de maio, o Estado conhecerá a nova representante de seu mais relevante concurso de beleza, o Miss Universo Rio Grande do Sul. Além de saber quem será a grande vencedora, os gaúchos serão apresentados a uma nova dinâmica, tendo mulheres casadas e com filhos, além de uma transgênero, entre as candidatas.
E a transformação vem no mesmo ano em que se celebram seis décadas da primeira vez em que a beleza brasileira foi destaque na etapa mundial. Foi em julho de 1963 que o país entrou para a elite do Miss Universo e a conquista veio pela graça e desenvoltura da gaúcha Ieda Maria Vargas Athanásio que, na época, tinha 18 anos e nem tanta fé assim na própria vitória.
— Quando ouvi meu nome, “Maria Vargas from Brazil”, nem acreditei. Não esperava. Passou um filme na cabeça enquanto caminhava para o centro do palco — relembra ela, aos 78. E arremata: — Concorri a representante do (clube) Cantegrill, simplesmente, porque um amigo da famíla me inscreveu sem ninguém saber. Nem eu! Seis meses depois, estava ganhando o Miss Universo.
Nos últimos 60 anos, muita coisa mudou, não apenas na trajetória de Ieda, que deixou a maratona internacional dos concursos em 1968 para se dedicar à vida que construiu em Porto Alegre, mas também na competição. Para a pioneira no reinado, se trata de um reflexo natural da evolução, da modernidade:
— Confesso que não acompanho mais tanto os concursos, mas não vejo problema. Desde que sejam aceitos e não impostos.
Mesmo tendo em suas raízes uma outra visão sobre a imagem feminina, para quem conhece um pouco da história da eterna Miss Universo, não é novidade a sua postura descolada. Reconhecida entre as personalidades gaúchas mais relevantes do século 20, manteve a elegância, mesmo em meio às adversidades.
Nos últimos anos, anotou em sua conta de potenciais traumas pelo menos um acidente vascular cerebral (AVC) e a morte do marido, José Carlos Athanásio, que carinhosamente chama de Zé, vítima de câncer, em 2009.
E foi com a perda do companheiro de toda a vida que veio a grande mudança. Cerca de um ano depois, rumou para Gramado, determinada a realizar o que sonharam juntos e levando na bagagem lembranças felizes embaladas com muito aprendizado.
Parte das memórias, é verdade, acabou se perdendo aos poucos pelo impacto dos problemas de saúde. Porém, para Ieda, viver plenamente o hoje é reconfortante.
Ao lado da filha, Fernanda, 48, e dos netos, Enzo, 21, e Carmela, 15, curte o ar sempre renovado da Serra em um dia a dia que inclui exercícios ao ar livre, uma programação cultural diversa e momentos com amigos. Na agenda cabem ainda idas regulares ao salão para fazer as unhas com a Lídia e maquiagem na medida de seu olhar crítico com o Laudo.
Foram eles, a propósito, que assinaram sua beleza para as fotos de Jefferson Botega, que tu conferes aqui. Nomes entre os tantos que cita com carinho em nosso bate-papo. Veja, a seguir, os melhores momentos.
Na tua opinião, qual a função de uma miss na sociedade hoje?
Não mudou muito desde a minha época. A miss exerce o papel de exemplo para outras mulheres. Não só na beleza, mas para conseguir conquistar seus objetivos – sejam eles profissionais ou pessoais.
Ela tem que apoiar causas sociais e, principalmente, representar o seu país. E mostrar sua cultura, pois ela se torna a representante de toda uma nação.
E o que pensas sobre o Miss Universo ter passado a aceitar novos perfis de candidatas?
O nome “Miss”, em inglês, significa mulher solteira. Assim, teriam que mudar o nome do concurso, não é verdade?
Mas, ampliando o conceito para mulher, em vez de solteira, como a palavra miss significa, não vejo problema nenhum. Como já disse, desde que isso seja aceito de boa vontade, e não imposto.
Como resumirias os últimos 10 anos em tua vida?
Já moro em Gramado há uns 15 anos, desde que o Zé morreu. Nesses últimos anos, só aumentei a quantidade de remédios diários (risos). Tem sido ótimo morar em Gramado. Não poderia ter escolhido melhor.
Mas, com a idade, vêm as doenças e limitações inerentes. Estou esquecendo palavras, memórias. Inclusive, tenho um projeto de um livro para publicar, pois quero deixar minhas memórias para quem tiver interesse em saber sobre minha vida.
Inevitavelmente, todos morreremos... Quando esse dia chegar, só espero não ter muitos arrependimentos. Espero que, realmente, tenha feito tudo para ser o mais correta possível com todas as pessoas que passaram pela minha vida.
Tenho certeza de que criei meus filhos da melhor maneira possível. Tanto eu quanto o Zé fizemos tudo o que poderíamos. Erramos e acertamos. Afinal, não existe um manual para criar os filhos, mas acho que fizemos bem.
Os ares de Gramado fazem diferença para tua saúde física e mental, de alguma forma?
Adoro Gramado. Era meu sonho e do Zé nos aposentarmos e morarmos em Gramado. Ele, infelizmente, não conseguiu, por causa do câncer. Então, vivo aqui por nós dois.
A qualidade de vida é fantástica. As ruas são limpas e seguras, os automóveis param nas faixas de segurança e tem muito verde. Não consigo imaginar uma outra cidade para morar.
Como tem sido a tua rotina desde a aposentadoria?
Acordo, normalmente, cedo. Tomo um café bem gostoso, depois faço uma caminhada. Mesmo estando aposentada, sempre tem o que se fazer.
Segues fazendo exercícios físicos regularmente?
Confesso que deveria fazer mais, mas qualquer academia custa uma fortuna, hoje em dia. Então, faço o básico, uma boa caminhada.
Como lidas com a vaidade?
Sem frescura. A idade chega para todas nós e temos que conviver com ela. Perdemos em beleza, mas ganhamos em maturidade e experiência.
Mudou muita coisa, neste sentido, desde quando participavas de concursos de beleza?
Na minha época, a beleza era natural. Hoje em dia, se faz todo o tipo de cirurgia plástica.
Colocam peitos, bumbum, preenchimento labial. Nada contra isso, acho que faz parte, inclusive, da evolução da ciência, não é mesmo?
Quais os principais benefícios da maturidade para a mulher?
Não se cobrar tanto. Conforme envelhecemos, convivemos com nossas rugas, com nosso corpo e com doenças da idade. E, claro, usar a experiência para tentar deixar mais leve a vida.
Como és como avó?
Boa pergunta. Acho que sou uma avó como tantas outras. Acabo estragando os netos (risos).
Tens algum ritual de autocuidado de que não abres mão?
Principalmente, beber bastante água. Comer vegetais e dar uma boa caminhada.
Quais são as tuas atividades favoritas para o lazer?
Gramado sempre tem diversas programações. Principalmente, no inverno. No último sábado (22), mesmo, fui ao festival Caminhos de Outono, teve jazz.
Além disso, fiz diversas amizades aqui. Sempre nos encontramos para botar a fofoca em dia.
O que te faz feliz hoje?
Ver meus netos crescerem. Isso me faz muito feliz. É o que me faz mais feliz hoje em dia.
Algum sonho ainda por realizar?
Voltar a Miami e conhecer a Espanha. São meus dois sonhos que ainda faltam para realizar. E espero conseguir.
Veja reportagem da Revista do Globo, de 1963, sobre a conquista de Ieda no Miss Universo: