Foi por meio de um telefonema do novo franqueado do concurso Miss Brasil, o gaúcho Winston Ling, que a porto-alegrense Julia Gama viu um sonho virar realidade. Literalmente.
Há pouco mais de um ano, era recorrente a modelo e atriz sonhar com a participação do Miss Universo, mesmo tendo deixando a trajetória dos concursos para trás desde que representou o Brasil no Miss Mundo, em Londres, no ano de 2014.
Morando na China, onde atuou como embaixadora de marcas e atriz em duas produções, Julia já estava pensando em voltar ao Brasil quando a pandemia fechou as fronteiras do país asiático. Conseguir um voo para a coroação, inclusive, foi um processo que gerou aflições na jovem de 27 anos:
– Estava prestes a receber a oportunidade da minha vida e eu não sabia se estaria no Brasil para ser coroada.
Mas, como apresentado a todo país na noite desta quinta-feira (19), deu tudo certo! E nesta sexta-feira, ela conversou com a Revista Donna por áudios de WhatsApp.
Como foi receber a faixa de Miss Brasil?
Eu sou completamente apaixonada pelo nosso país. Posso descrever como a maior honra da minha vida ser a pessoa escolhida para representar a nossa nação, apresentar mais do Brasil para o mundo. Vou fazer isso com todo o meu amor, para que cada brasileiro se sinta representado.
A quais causas você pretende se dedicar durante o seu reinado? O que quer trazer de mensagem para as mulheres?
A minha causa principal é incentivar as pessoas a enxergarem o seu potencial. Se elas têm um sonho, elas têm que dar ouvido a ele, pois todo sonho nasce de um propósito da nossa vida. Quero ajudar as mulheres a ocuparem os seus espaços sem medo, se respeitarem, usarem a sua voz para se posicionarem. Quero encorajar todos os indivíduos a se apropriarem do poder que têm para realizarem o que quiserem.
E como foi que você recebeu a notícia do Ling?
Eu estava na China, e o senhor Ling mandou uma mensagem. "Sou o novo franqueado, precisamos conversar". Depois disso, ele me explicou que este ano não seriam promovidos concursos, nem permitidas aglomerações, e que os franqueados tinham autonomia para escolher o formato da apresentação. Mas que seria uma coroação apenas. Ele elencou uma comissão técnica que levantou o nome de muitas meninas que tinham potencial para ser Miss Brasil 2020. Eles estudaram cada uma das candidatas por meio de perfis nas redes sociais, antigas entrevistas, trajetória profissional. Mas tudo isso sem avisar a gente, pois eles não queriam que ninguém preparasse um material para convencê-los. E, então, ele disse: "E, de todas as candidatas, a gente chegou ao seu nome". Eu quase infartei (risos). Foi um momento muito lindo, que eu jamais poderia esperar.
Ao ser escolhida, fui eleita pelo o que realmente sou. Me sinto confiante para carregar esse título
JULIA GAMA
Miss Brasil 2020
Fale mais sobre esse formato do concurso, em razão da pandemia? Como foi a preparação, a produção?
O senhor Ling teve que adaptar tudo. A escolha da candidata foi como eu expliquei, e isso para mim significou muito. Ao ser escolhida, fui eleita pelo o que realmente sou. Me sinto confiante para carregar esse título e lutar pela coroa de Miss Universo 2020. Depois que me informaram que era a Miss Brasil, reorganizei minha vida na China, tivemos dificuldade de conseguir voo. Já estava com previsão de ficar mais tempo no Brasil, mas logo veio a pandemia, fecharam as fronteiras e fiquei presa. Foram meses de aflição. Estava prestes a receber a oportunidade da minha vida e eu não sabia se estaria no Brasil para ser coroada - e isso era um dos critérios para que assumisse. Cheguei no Brasil e foram 14 dias de quarentena para não expor ninguém. A distância, alinhamos o roteiro da coração, como seria, quais as trilhas sonoras, a iluminação. Foi um trabalho de equipe muito longo. Estamos desde de junho conversando, fazendo reuniões para alinhar. Mantivemos sigilo que eu estava no Brasil, e foi uma das partes mais difíceis, pois estava louca para contar para todo mundo.
Li que você estava mais afastada dos concursos. Como foi essa retomada?
Desde 2014, quando tive a honra de representar o Brasil no Miss Mundo, em Londres, tinha encerrado minha trajetória em concursos de beleza na minha cabeça. Pude dar visibilidade a causas, estava satisfeita com meu desempenho. Estava realmente satisfeita com o que tinha, não queria arriscar. Era um status interessante na carreira de miss. Em 2016, recebi a oportunidade de uma das maiores marcas de cosméticos da China para ser embaixadora, viajando o país inteiro, sendo a imagem da marca. Fui morar lá e fiquei nos últimos três anos. Comecei a me dedicar a expandir a carreira de atriz, gravei dois filmes incríveis, estava satisfeita em saber que atuação é o que me faz feliz. Paralelamente, abri a minha empresa de mídia e entretenimento para fomentar mais o intercâmbio cultural entre Brasil e China, queria ser essa ponte. Ano passado, senti vontade de me posicionar artisticamente no Brasil com mais força. Foi o mesmo período em que eu me aproximei de Deus - e comecei a rezar todas as noites. Tive um sonho em que estava no Miss Universo, e foi tão real que, quando eu acordei, tinha certeza de que estive lá. Toda vez que pensava no Miss Universo, me arrepiava. Comecei a pensar em como fazer isso acontecer. Não tinha previsão de concurso, não tinha agenda para esse ano, e eu tinha contratos importantes na China. Eu só sabia que era o meu destino. E o que era impossível se tornou realidade. Posso dizer que era o meu melhor ano artisticamente na China, mas a minha certeza de que esse é o caminho que está escrito pra mim é tão grande que não pensei duas vezes. O Brasil é onde tenho que estar agora.
Eu não me deslumbro. Tem o glamour, mas meu objetivo é muito claro, e é a coroa de Miss Universo 2020
JULIA GAMA
Miss Brasil 2020
E a expectativa para o Miss Universo? O que você pode nos adiantar dos seus primeiros preparativos?
A expectativa é enorme, e eu tenho consciência da responsabilidade, principalmente num ano tão delicado. Sei que fui escolhida pelo que sou, estou tranquila em honrar esse título e me preparar para todos os critérios. Podemos ganhar e estou indo para isso. Gosto de olhar para tudo de maneira estratégica e racional, tem uma parte engenheira forte dentro de mim que me faz lidar com tudo dessa forma. Eu não me deslumbro. Tem o glamour, mas meu objetivo é muito claro, e é a coroa de Miss Universo 2020. Estamos fazendo um planejamento para que eu tenha apoio dos profissionais que preciso. Oratória, aperfeiçoamento de idiomas, alimentação, cuidados estéticos, é claro. Mas quero fazer tudo isso honrando o que acredito: uma beleza com propósito. Algo mais do que a estética.
Como foi a sua temporada de modelo na China? Que trabalhos você destaca?
O trabalho que eu destaco foi o que desenvolvi com embaixadora de marcas, pois os chineses têm uma maneira muito especial de trabalhar. Pude viajar e conhecer todo o país e a cultura deles. Como embaixadora, conversava com empresários, aprendia muito. Mas meu foco sempre foi a atuação, os trabalhos de modelo tinham aquela coisa de um contrato puxava o outro. Tive duas oportunidades incríveis, uma delas uma produção com a França, e ao lado de atores muito famosos no país. Quando estrearem, logo após a pandemia, quero trazer esses trabalhos para o Brasil.
E a carreira como atriz? Você pretende seguir se dedicando?
Quando estou no set é quando me sinto mais realizada. O Miss é meu papel na vida real, mas também um personagem. Eu me vejo me dedicando a isso no futuro, não só no Brasil. Gosto muito de atuar em espanhol e em inglês. Gosto muito da parte executiva também, abrindo espaços para os talentos e a cultura brasileira.
Conta para a gente sobre tua vida no Estado. Você cursou engenharia na UFRGS. Foi durante a época da faculdade que começou a investir nos concursos?
Lembro que, para o concurso estadual de 2014, só me escolheram porque fui a que levou o discurso mais diferente. Eu lembro que disse: "Quero ser Miss Rio Grande do Sul para mostrar todo esse amor que temos pelo nosso Estado".
Sobre o começo de tudo, eu não tinha essa relação tão forte com a estética. Comprei meu primeiro salto alto para competir em 2014. Realmente acabei participando porque vi, na seletiva, como estudante de engenharia, que eu era a ignorante. Não sabia nada do que aquelas meninas sabiam. Vi uma oportunidade de me conectar comigo mesma, me cuidar, me amar. Ganhar foi algo extremamente surpreendente.
A minha preparação para o Miss Mundo Brasil foi muito matemática, esse pensamento racional, essa lógica é algo que está dentro de mim, levo sempre comigo. Em 2016, tive que escolher entre a faculdade ou ir para a China viver todas essas oportunidades que estavam se abrindo.
E como é a tua relação com o Estado hoje? Volta com que frequência?
A minha relação com o Estado segue de gratidão. Minha família é metade gaúcha, metade carioca. Hoje, eu vou morar em São Paulo, mas é incrível saber que vou poder visitar o Estado com mais frequência.
Sempre fui uma criança que inventava, abraçava o mundo, e só sei que tenho essa força porque tenho um porto seguro, tenho para onde voltar
JULIA GAMA
Miss Brasil 2020
E a família, como recebeu a notícia do Miss?
Eu tenho gratidão pela minha família. Mesmo meus pais não sendo do meio artístico, eles sempre deram autonomia e nos encorajaram a realizar nossos sonhos. Eles estão do meu lado mais uma vez. Eu sempre fui uma criança que inventava, abraçava o mundo, e só sei que tenho essa força porque tenho um porto seguro, tenho para onde voltar.
Fala mais sobre tua atuação na luta em prol dos pacientes com hanseníase? Como está esse trabalho?
A causa entrou na minha vida porque só fazia sentido ser Miss Mundo Brasil se eu tivesse um propósito maior. E é uma causa estigmatizada, em que o preconceito dificulta muito que tenhamos um avanço. Estamos falando de uma das doenças mais antigas da história da humanidade, e o Brasil é o segundo país em número de casos. Uma doença com tratamento gratuito e que tem cura. A ideia de unir o título de miss com a causa é quebrar o preconceito. É falar de saúde básica, de família.
E agora, de volta ao Brasil, como estão os seus projetos e planos?
Eu sei que o título vai alavancar minha carreira de maneira exponencial. Tenho o apoio da internet, fui extremamente acolhida pelos brasileiros. Mas o meu foco total está na preparação para o Miss Universo. Estou muito confiante. Meu caminho está ligado à arte, à comunicação e ao empreendedorismo.
Como você vê o papel de uma miss hoje?
O papel da miss, às vezes, não é claro na cabeça dos brasileiros. Mas é muito valorizado no exterior. O Miss Universo é o evento de maior audiência mundial. Ele une as comunidades, leva representatividade para as nações, movimenta uma indústria, abre portas para as meninas que participam. Quero trazer de novo essa valorização.
Por muito tempo, eu servia ao meu corpo, escrava em buscar um biotipo que não era meu. Entendi o conteúdo que entrego, a pessoa que sou, e a beleza é um extra
JULIA GAMA
Miss Brasil 2020
Na biografia oficial divulgada pelo U Miss, você conta que não usava salto e maquiagem e que morria de vergonha de usar biquíni. Como foi teu processo de busca pela autoestima?
Já fui muito insegura, questões com meu corpo. Foi um processo muito longo. Tive oportunidade de fazer terapia e estudar inteligência emocional para entender meu valor, que vai muito além de qualquer padrão que estiver me encaixando. Meu papel é respeitar e honrar a minha história. Por muito tempo, eu servia ao meu corpo, escrava em buscar um biotipo que não era meu. Entendi o conteúdo que entrego, a pessoa que sou, e a beleza é um extra. Não vou deixar que ninguém me resuma a isso. Eu não olho mais pro lado, não me comparo mais com ninguém. Hoje meu corpo é meu amigo, tem muita gratidão.