O que define uma boa menina? Ser casada, sustentar uma carreira por 14 anos, honrar pai e mãe? Jogar bola, postar fotos de biquíni, fazer preenchimento labial? Rebolar? Ter independência financeira?
Tudo isso cabe no currículo de Luísa Sonza. A artista de 21 anos desafia quem tenta rotulá-la. Nas palavras da cantora e compositora, uma boa menina não deixa ninguém dizer o que ela deve fazer.
Pode ser que você não tivesse ouvido falar nela antes, apesar de a gaúcha de Tuparendi ter quase 15 milhões de seguidores no Instagram, um alcance impressionante para quem viveu até os 17 anos em uma cidade com menos de 8 mil habitantes. Seu primeiro álbum, Pandora, foi lançado em junho e, em menos de três meses, atingiu 100 milhões de reproduções no Spotify, plataforma de streaming.
Ainda que não conheça uma canção sequer dela, talvez você a tenha visto na TV: a garota participa da Dança dos Famosos no Domingão do Faustão. Agora, se você está ligada nas novidades da música, talvez saiba que Luísa é mais um fenômeno lançado à fama pelo YouTube, no qual ficou conhecida como a Rainha dos Covers. Em 2017, ganhou o Prêmio Multishow de Música Brasileira na categoria Melhor Cover da Web.
Antes disso, já tinha ralado bastante longe dos holofotes. Dos sete aos 17 anos, viajou pelo Rio Grande do Sul com a banda Sol Maior, um daqueles conjuntos musicais típicos de interior, com repertório variado e apresentações em igrejas, festas de casamento e velório (sim, velório). A filha do agricultor Cezar Sonza e da professora Eliane Gerloff dividia os dias da infância e da adolescência entre banhos de açude, escola, ensaios e shows.
– Tive essa responsabilidade muito cedo, mas sou grata porque isso que me fez amadurecer. Dei muita sorte por, cedo, começar a entender o mundo da forma que ele é na vida adulta. Faria tudo de novo – disse, em um papo com a Revista Donna por telefone.
No ano passado, a artista casou-se com Whindersson Nunes, comediante brasileiro que também ficou famoso no YouTube. Muito famoso. Até fevereiro de 2018, seu canal era o maior da plataforma no Brasil. Hoje é o segundo, com 37 milhões de inscritos, e só perde para o do produtor musical Kondzilla, com 52 milhões. Luísa faz questão de dizer que eles não têm uma vida juntos, mas que compartilham suas vidas.
– Só casei porque vivo uma relação de companheirismo. Temos vidas muito independentes. Para meninas que queiram casar cedo, digo que casem, mas nunca abandonem seus objetivos para viver apenas uma vida a dois.
Não à toa, o escritor Aguinaldo Silva a convidou para gravar um funk para a trilha-sonora da novela da Globo O Sétimo Guardião, que passou na faixa das 21h até maio deste ano.
– Ela é uma estrela! Além de ser linda, Luísa canta muito bem. (...) Não tenho dúvidas de que vai arrasar ainda mais, e que 2019 vai ser o ano dela – elogiou o autor, em entrevista ao jornal Extra à época.
Escrita por Silva, a letra bem que poderia ter sido de Luísa:
“Não quero cumplicidade, mas quero respeito/ A porta do carro não precisa abrir pra mim/ Porque se ele quer que o filho seja um bom sujeito/ Joga o machismo fora, abre a mente e faz assim”, diz a música Nunca Foi Sorte.
A artista sente a responsabilidade da sua influência hoje e tenta passar para outras meninas mensagens como as que aprendeu em casa. Em Eliane – composta em parceria com o neto de Gilberto Gil, Francisco Gil – homenageia a mãe e a avó materna, Marli, que aparecem no clipe com a irmã caçula, Sofia. Na balada que compôs, Luísa atribui a elas a coragem de ser a mulher que é hoje, discurso que aparece também no hit Boa Menina:
“Não deixem te dizer/ O que deve fazer/ Cê vai lembrar de mim/ Uma boa menina faz assim”.
Show em velório
Luísa costuma dizer que veio da roça. Nascida em uma cidade do noroeste gaúcho, a cerca de 500 quilômetros da Capital, a infância dela foi parecida com a de outras crianças do Interior:
– Vivi no meio da roça, subia em árvore, tinha boneca de milho.
Entre uma brincadeira e outra no sítio da família – para onde faz questão de retornar para jogar futebol, seu esporte preferido desde pitoca –, descobriu cedo que sabia soltar a voz.
– Com uns três anos, já cantava em casa. Meus pais viram que eu era afinada e me perguntaram se queria cantar em festivais. E eu quis – conta.
Em uma das apresentações, aos sete anos, Luísa subiu ao palco para cantar versos conhecidos do cancioneiro popular: “No dia em que saí de casa, minha mãe me disse: ‘Filho, vem cá’”. A música, de autoria do compositor gaúcho Joel Marques, era a mesma que os pequenos Mirosmar e Emival – depois, Zezé Di Camargo & Luciano – cantaram em uma rodoviária de Goiânia décadas antes, cena retratada na cinebiografia Dois Filhos de Francisco (2005). Sucesso à época, o longa que contava a trajetória de uma das mais populares duplas sertanejas do Brasil alçou a canção novamente às paradas de sucesso. E foi justamente essa a escolhida pela loirinha para aquele festival que mudaria o rumo de sua vida.
Lembro de brincar de balanço, de pular no açude, correr, subir em árvore e ter que voltar cedo para casa, me arrumar e ir para o show.
LUÍSA SONZA
Entre os jurados, estava o dono da banda Sol Maior, que se impressionou com o talento da guria. Ao final do show, foi conversar com os pais de Luísa: estava atrás de uma menina para integrar o conjunto, que rodava a região para animar casamentos, festas de 15 anos e o que mais aparecesse. Propôs um teste. Ela passou.
Durante os mais de 10 anos no conjunto de baile, Luísa dividiu as tardes de brincadeiras no sítio com responsabilidades de gente grande.
– Lembro de brincar de balanço, de pular no açude, correr, subir em árvore e ter que voltar cedo para casa, me arrumar e ir para o show – relembra.
A agenda era puxada: teve época em que a banda chegou a fazer mais de 20 apresentações por mês. No repertório, de tudo um pouco: Beatles, Queen, ABBA, passando por Legião Urbana e Raul Seixas, e desembocando em Michel Teló – aquele típico repertório de bandinhas de casamento que arrasta todo mundo para a pista.
Se hoje Luísa divide o palco com Ivete Sangalo no Carnaval de Salvador, em outros tempos já se apresentou em supermercados, em festejos de final de ano na pracinha da cidade. Em cerimônias de casamento e, depois, na festa, claro. E, sim, até em velório.
– Contrataram e fomos. Aceitávamos de tudo – comenta. – Antes de começar (a apresentação no velório), pensei: “Que louco, como vou fazer isso?”. Mas, quando começamos a cantar, entendi o quanto confortava as pessoas. Foi aí que percebi o impacto da música.
Tocar em uma banda de baile lhe rendeu aprendizados, como o contato com um repertório vasto que ajudou Luísa a conhecer diversos estilos e artistas que muitos jovens de sua geração talvez nem se interessem em dar o play no Spotify. Não à toa, planeja que seu próximo álbum tenha referências do blues. Mas a experiência também rendeu muitos perrengues.
– Nunca tive camarim, por exemplo. A gente se trocava atrás do palco, ou no banheiro das mulheres. Mas sabia que precisava passar por tudo aquilo se quisesse subir – afirma. – Não tive tempo para dormir na casa da coleguinha ou ir a festas de 15 anos. Tinha show todo final de semana, além dos ensaios, que precisava conciliar com a escola. Era muita responsabilidade.
Há cinco anos, a rotina da menina que sonhava em ser uma estrela começou a mudar. Luísa, que nunca foi de pedir presentes caros, insistiu que queria um smartphone. Ganhou um celular usado de um tio – e foi essa a ferramenta que impulsionou a carreira. No quarto de casa, ao lado da escrivaninha repleta de apostilas da escola, gravou seus primeiros covers para o canal do YouTube, que hoje conta com mais de 4,2 milhões de seguidores. Logo começou a acumular milhares de visualizações.
Nunca tive camarim. A gente se trocava atrás do palco ou no banheiro das mulheres. Mas sabia que precisava passar por tudo aquilo se quisesse subir.
LUÍSA SONZA
Uma das filmagens despertou a atenção do humorista Whindersson Nunes. Por acaso, o comediante – que, à época, também fazia as vezes de cantor –, deparou com um dos vídeos de Luísa no Instagram. Não titubeou: logo mandou mensagem. Papo vai, papo vem, combinaram de gravar uma música juntos. Encontraram-se em São Paulo e, desde que a canção foi ao ar no YouTube, não se desgrudaram mais. Por um ano, namoraram a distância – ele em Fortaleza, ela em Porto Alegre. Juntos desde 2016, trocaram alianças em 2018.
Carreira a mil
Sertanejo, pop, funk: tal qual o repertório eclético que cresceu apresentando nos shows pelo Interior, a guria conquistou a alcunha de Rainha dos Covers nas redes sociais cantando de tudo um pouco. Mas dois vídeos em especial mostraram a que Luísa veio: as músicas-resposta a Deu Onda, do funkeiro MC G15, e Camarote, de Wesley Safadão. A perspectiva feminina para as letras dos cantores ajudou a dar visibilidade para ela, que mostrava um pouco da pegada girl power que se reflete hoje em hits como Boa Menina.
Para o professor na Universidade Federal de Pernambuco, Thiago Soares, embora jovem, Luísa se destaca ao manifestar empatia com causas identitárias. A inspiração para essa postura forte veio de casa. Embora tenha crescido com a presença ativa do pai, Luísa gosta de dizer que nasceu em uma família matriarcal. Desde a infância, sempre ouviu as dificuldades vividas pela avó Marli, que teve de criar sozinha as três filhas após a morte do marido. É justamente isso que a cantora retrata em Eliane: as histórias que ouviu das mulheres da família. Luísa faz questão de transmitir mensagens sobre autoconfiança para suas fãs – como sempre recebeu da avó e da mãe.
– Se não me sentisse capaz de conseguir o que queria, se não acreditasse em mim, não estaria aqui hoje. Precisei pensar assim para chegar onde cheguei e ainda preciso (seguir) para chegar onde quero.
E Luísa está indo longe. Em 2017, assinou com a gravadora Universal. Não demorou a lançar singles próprios e logo começou a preparar o disco Pandora, que, no primeiro dia no ar na plataforma de streaming, emplacou todas as oito canções no top 150 mundial do Spotify. O resultado? Em apenas 24 horas, foram mais de 1,6 milhão de execuções – e Pandora quebrou recordes na largada, tornando-se o álbum de estreia de um artista nacional com a melhor performance no aplicativo. Ao lado de Anitta, é a artista pop brasileira com maior número de cliques no streaming.
– Anitta é uma referência enorme para mim. É focada, trabalha duro e tem muita visão. Me espelho muito nela – afirmou ao jornal Extra no início do ano.
As comparações com a “poderosa” parecem inevitáveis – pela trajetória de sucesso da funkeira, que inspira novatas a seguirem seus passos. Depois de estourar no YouTube com um cover de Paradinha, hit de Anitta em 2017, Luísa agora vai lançar uma parceria com a cantora, prevista para o dia 19 de novembro. É a união da estrela em ascensão com aquela que é a grande figura midiática do pop no Brasil, observa Soares.
O pesquisador vê uma estratégia mercadológica na carreira aliada a um processo de autoconhecimento da jovem cantora, que começou fazendo covers no estilo voz e violão e passou a “sensualizar” e apostar em “hits potentes”. A formação musical forjada na estrada com a banda Sol Maior é um trunfo que Luísa poderá resgatar no futuro a fim de ter legitimação artística, afirma o professor.
Maturidade
Aos 21 anos, Luísa Sonza transparece maturidade e tem os dois pés bem fincados no chão. Talvez pelos 14 anos de estrada, aspectos de sua vida pessoal, como ter casado aos 19 anos, parecem ser encarados com leveza e segurança:
– Não tenho a cabeça de alguém de 20 anos, nem uma vida ou responsabilidades de menina. É estranho me comparar ou ser comparada (a outras jovens) porque nunca tive essa cabeça – reflete. – Sou uma empresa, um produto. Lidar com isso já não é algo “normal”.
Toda vez que fala do casamento publicamente, ela deixa claro que dividem a relação, mas que quer preservar sua individualidade. Inclusive nas finanças.
– Você nunca pode abrir mão dos seus sonhos, da sua vida, da sua independência financeira, que, para mim, é a principal – diz.
Em abril, o casal ganhou mais atenção quando Whindersson Nunes revelou que estava em tratamento de um quadro de depressão. A cantora cancelou compromissos de trabalho por um mês para estar próxima do marido – apoio que, segundo o humorista, foi fundamental para que ele superasse a crise. Aos poucos, passaram a comentar o tema para alertar o público sobre saúde mental.
– Você sofre junto. Tem que ser tratado como doença, não apenas como tristeza. Você tem que entender que a pessoa com depressão está doente e precisa de ajuda – afirma.
Com pulso firme – e uma fama de workaholic que ela mesma assume –, Luísa pensa cada detalhe de seus próximos passos. Para a vida ao lado de Whindersson, faz questão de lembrar que é “muito nova para pensar em filhos”, mas não descarta adotar uma criança. Na carreira, os planos vão longe: deixou escapar que há uma parceria com um artista internacional a caminho. E já começou a produzir o segundo álbum.
– A gente está em 2019, mas estou em 2024, 2026. E esse planejamento faz toda a diferença – pondera. – Mas não conquistei nem 1% do que planejo – avisa.