Rua Saturnino de Brito, 74, Jardim Botânico, Rio de Janeiro.
Quem foi criança entre os anos 1980 e 1990 reconhece o endereço. Para lá, milhares de baixinhos mandaram suas cartas na esperança de que fossem lidas por Xuxa na TV. Hoje ela interage com os fãs nas redes sociais – somente no seu perfil do Instagram (o @xuxamenegheloficial), são mais de 10 milhões de seguidores – e garante que “ama falar diretamente com o público”.
Surfando na onda da nostalgia da década de 1990, a eterna Rainha dos Baixinhos está de volta aos palcos com o Xuxa Xou, que apresenta neste sábado (26) em Porto Alegre. No setlist, estão sucessos do primeiro álbum, de 1986, até canções dos anos 2000, da fase Xuxa Só Para Baixinhos (XSPB). Nave espacial, ombreiras, chuquinhas, botas brancas, está tudo lá – inclusive o playback, recurso que sempre foi usado nas apresentações ao vivo.
Aos 56 anos, com quatro décadas de uma carreira que começou como modelo fotográfico, Xuxa mudou pouco. Suas grandes paixões ainda são as crianças e os animais. Desde os 13 anos, não come carne vermelha. Recentemente, passou a ter uma alimentação exclusivamente vegana. Nos seus shows lá na década de 1990, já advogava pelo respeito à natureza, uma luta que segue atual. Em um post do dia 27 de setembro, no Instagram, usou a hashtag #portrásdofogo para sustentar que “a maior vilã do desmatamento da Amazônia é a pecuária”.
– Cuide da sua saúde e do planeta escolhendo menos carne em suas refeições – escreveu Xuxa, embaixadora da campanha Liberte-se da Crueldade, que defende o fim dos testes de cosméticos em animais.
Em 2014, apoiou publicamente a aprovação da Lei Menino Bernardo, que defende o direito de crianças e adolescentes de serem cuidados sem violência. Xuxa foi ao Senado no dia da votação do projeto. Por 28 anos, manteve a Fundação Xuxa Meneghel, que atuava pelos direitos na infância e atendia crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social na zona oeste do Rio de Janeiro.
Gosta de dizer que seu sucesso com os baixinhos se deve ao fato de que sempre os tratou de igual para igual, sem nunca falar tatibitate com eles. A menina Claudia que o diga.
Em um programa na extinta Manchete, onde Xuxa estreou na televisão, a apresentadora organizava a criançada para iniciar uma brincadeira quando largou um seco “Aham, Claudia, senta lá” para uma guriazinha que se aproximou dela. O episódio foi resgatado uns anos atrás, virou meme e foi zoado pela própria rainha. Com o bom humor que sempre foi uma marca sua, ela aparece em uma propaganda de 2016 da série Stranger Things, produção da Netflix cuja trama se passa nos anos 1980.
Xuxa se tornou também uma importante figura na luta pelos direitos das mulheres depois que revelou, no programa Fantástico, em 2012, ter sido vítima de abuso sexual até os 13 anos. Depois de tanto tempo em silêncio, decidiu que sua voz poderia encorajar outras mulheres a denunciar. Funcionou: na sequência da sua entrevista, jornais da época noticiaram que o Disque 100 teve um pico de ligações.
Também foi criticada por demorar a contar sobre os abusos. Houve até quem afirmasse que “queria aparecer”. Mas ela está acostumada com o lado negativo da fama. No mesmo Gigantinho que a recebe neste sábado, em um show em 1990, ela já dava um recadinho para os críticos de plantão.
– Venci por meio do meu talento e não devo nada para ninguém. Não tenho vergonha do meu passado, conquistei tudo sozinha, por meio do meu trabalho. Os invejosos que me desculpem, sou uma mulher vencedora – disse, segundo reportagem de Zero Hora publicada naquele ano.
Hoje os comentários maldosos encontram terreno fértil nas redes sociais, comportamento que a assusta. Em coluna publicada em abril deste ano, Martha Medeiros escreveu sobre a apresentadora ser alvo frequente de ofensas. Depois que publicou uma foto sem maquiagem no Instagram, Xuxa foi massacrada por seguidores que não aceitaram a sua “falta de vaidade”. Para a colunista, o que as pessoas não toleram é a passagem do tempo.
“Sem querer, ela acaba ‘traindo’ toda mulher que gasta fortunas em procedimentos estéticos a fim de parecer mais jovem. Ao abrir mão de ser um padrão juvenil de beleza, Xuxa dá uma situada no mulherio: a era do ‘ilarilarilariê’ acabou. A vaidade agora está em ser madura e livre”, escreveu Martha.
A coluna foi republicada por Xuxa, que, em entrevista exclusiva à Revista Donna, reafirma suas escolhas:
– Só não envelhece quem morre cedo.
Com um patrimônio estimado em US$ 160 milhões, Xuxa está no ranking das atrizes mais ricas do mundo, segundo a revista Wealthy Gorilla. Ela virou também empresária: Maria da Graça Meneghel é hoje sócia das redes de franquias Casa X e Espaço Laser.
Tudo na sua trajetória é superlativo: são mais de 50 álbuns lançados, entre discos de estúdio e vídeo, com vendas que superam as 50 milhões de cópias. Entre os ex-namorados estão os maiores ídolos da história do esporte brasileiro, Pelé e Ayrton Senna. Há sete anos, namora o ator e cantor Junno Andrade. Nas redes, não poupa declarações de amor a ele e à filha Sasha, fruto do relacionamento com o ator Luciano Szafir.
Só não envelhece quem morre cedo.
XUXA
De tudo que é conhecido nessa história pública de quatro décadas, o que mais importa para quem vai ao show neste sábado é a memória afetiva que Xuxa representa. A nostalgia é um dos elementos centrais da cultura pop e dos produtos midiáticos, afirma a professora de comunicação da Unisinos Adriana Amaral:
- A nostalgia opera a partir de uma dimensão que procura pensar o passado como algo sem defeitos e de felicidade, ainda mais ligado à infância - explica a pesquisadora, líder do CULTPOP - Grupo de Pesquisa em Cultura Pop, Comunicação e Tecnologias.
Adriana observa que a apresentadora teve sua ascensão em um contexto muito diferente do atual, quando a televisão, meio que lançou a estrela, era um canhão único de comunicação que garantia um "elo nacional", proporcionando que famílias em diferentes cantos do país acompanhassem juntas de capítulos de novela a programas infantis.
- Acho que é difícil ter alguma celebridade tão famosa em várias camadas de faixa etária, classes sociais, etc. Ainda mais no Brasil, um país de distâncias continentais. Vemos que alguns youtubers e artistas como Anitta têm grandes públicos, mas hoje isso está mais segmentado do que nos anos 1980. É possível haver artistas com bases de fãs enormes, mas completamente desconhecidos por outros - diz a professora.
Talvez isso explique a aura em torno da apresentadora, com quem muitos fãs finalmente poderão cantar versos como “Marquei um X no seu coração pra você nunca me esquecer, não vai me esquecer, juro que não”. Os baixinhos – já bem crescidinhos – são a prova de que Xuxa tinha razão desde 1992, quando o hit foi lançado.
É o caso de Frederike Mette, 36 anos, professora universitária que um dia sonhou ser paquita. Na companhia de duas amigas, ela comprou os ingressos assim que foram colocados à venda. Frederike confessa que não acompanhou a carreira da apresentadora depois que deixou de assistir aos programas infantis. Mas o simbolismo da sua figura é forte o suficiente para sobreviver por todo esse tempo.
– Ela me remete só a coisas boas. Às manhãs vendo TV em casa, à convivência com meus pais no interior, enfim, minha infância e pré-adolescência – diz a professora.
Ao falar de quem a acompanha há décadas, Xuxa só tem a agradecer:
– É mais do que gratificante. Afinal, respeito e admiração são difíceis de conquistar. Quando encontro o meu público, sempre fica um lindo sentimento no ar... Gratidão.
A seguir, leia trechos da entrevista concedida por e-mail.
O que motivou você a voltar com o Xuxa Xou?
Tudo começou com um convite para participar do Chá da Alice, um evento muito legal e já solidificado. Participei com o intuito de ajudar a minha fundação (extinta em 2017), e o resultado foi incrível! Então, reformulamos o XuChá e hoje estamos com o Xuxa Xou. As pessoas estão com saudade dos anos 1980, 1990 e 2000. Acredito que esse novo show seja para todas essas gerações, já que a seleção das músicas vai desde o primeiro LP do Xou da Xuxa, de 1986, até os clássicos do XSPB, de 2000... É muito legal (observar) a emoção das pessoas ao verem a nave aterrissar no palco.
Como tem sido a experiência de reencontrar um público que conheceu você na infância?
É mais do que gratificante, afinal respeito e admiração são difíceis de conquistar. Quando encontro o meu público sempre fica um lindo sentimento no ar... Gratidão.
Você atingiu um nível de fama excepcional nos anos 1980 e 1990. Além do sucesso do programa, namorou dois grandes ídolos do Brasil, Pelé e Senna. Como lidava com a fama na época? E como lida hoje, em tempos de redes sociais?
Sempre lidei muito bem com a minha carreira. Hoje, com as redes sociais, está muito difícil conviver com o desrespeito e a falta de educação de algumas pessoas. Amo poder falar direto com o público. Amo de verdade! Só não entendo a maldade de algumas pessoas. Tento me colocar no lugar delas, mas não as entendo. Hoje em dia as pessoas são criticadas por tudo! Se você posta uma foto com ou sem filtro é criticada, com ou sem make, é criticada... Uma coisa tão legal como a internet, que faz a informação chegar no colo de tanta gente, está virando uma terra de ódio e isso está me deixando bem assustada.
Como se sentia no papel de sex symbol?
Fui considerada símbolo sexual dos anos 1980 quando a moda era outra, os tempos eram outros, eu era outra pessoa. Fez parte da minha carreira e da minha evolução como pessoa.
Algumas pessoas falaram isso porque sempre vão falar mal de mim. Tenho que aprender a conviver com a ignorância, a inveja e o desrespeito de alguns.
XUXA
Quando você revelou ter sofrido abusos, chegou a ser acusada de “querer aparecer”. Como se sentiu depois de fazer essas revelações?
Algumas pessoas falaram isso porque sempre vão falar mal de mim. Tenho que aprender a conviver com a ignorância, a inveja e o desrespeito de alguns. Minha ideia foi ajudar algumas pessoas e eu consegui. O Disque 100 trabalhou bastante depois do meu depoimento. Isso que importa.
Como é sua relação com Sasha? Que valores tenta passar para ela?
Tento passar o que minha mãe me ensinou. Se conseguir passar 20%, sei que serei uma boa mãe.
É mais fácil ser mulher hoje do que quando você tinha a idade dela? Quais são os desafios e os avanços de cada época? Há problemas que persistem?
Acho que cada tempo tem suas dificuldades. Listar os desafios e avanços de cada época é papo pra um livro. Problemas como machismo, preconceito e discriminação ainda persistem, infelizmente.
Por muitos anos você teve em Marlene Mattos seu braço direito – e esquerdo! – na gestão da sua carreira. Hoje, como empresária, você tem muito mais autonomia. O quanto você se envolve nos negócios?
Me envolvo no que sei opinar, o restante deixo para as pessoas que trabalham comigo e meus advogados. Cada um no seu quadrado.
Que critérios você leva em conta na hora de emprestar sua imagem a um produto ou serviço?
A verdade. Se não tiver verdade, não terá minha imagem nem meu nome.
Você deixou o Rio Grande do Sul quando criança. Ainda guarda memórias da sua infância aqui?
Venho pouco à minha terra: amo o sotaque, amo receber o carinho de quem chamo de “meu povo”, amo saber que minhas raízes são lindas como essa terra toda cheia de histórias para contar... Tenho as melhores lembranças de Santa Rosa e de Tramandaí, onde passava minhas férias, mas tenho parentes espalhados em todo o Sul. Sem dúvida é um lugar muito especial para mim! Tenho vontade de dar o melhor do melhor, pois sei que receberei o melhor deles.
O que a levou a adotar uma alimentação vegana?
Desde os meus 13 anos de idade não como carne. Comia peixe uma vez por semana por ignorância, pois achava que a proteína era só animal, não sabia que a proteína vem do verde. Depois de saber, me perguntei por que comer bichos se digo que os amo? Por que ter a energia da morte, do sofrimento, no meu corpo, já que não quero e não preciso? Me senti muito enganada, pois a vida toda me fizeram acreditar que precisamos de bichos mortos para nos alimentar. Hoje estou feliz por não ter cadáveres no meu prato. Não sou vegana, tenho uma alimentação 100% vegana. Sou feliz com minha decisão e respeito muito quem ainda não quer deixar de comer bichos. Só gostaria que buscassem mais informações, existem documentários maravilhosos.
Como tem sido a experiência de envelhecer? Como você lida com críticas e ofensas nas redes sociais especificamente a respeito da sua imagem?
Não lido com ofensas, leio e ignoro, pois sei que só não envelhece quem morre cedo.
Tudo o que você quis “o cara lá de cima” já deu? O que ainda sonha em conquistar?
Tudo que já pedi. O que ainda sonho depende de mim, não de Deus. Prefiro deixar para o futuro me surpreender, mas com certeza ainda vão ouvir falar muito sobre mim.