Jurado linha dura: Fogaça é rigoroso com os participantes do Masterchef Brasil O chef em um de seus restaurantes O chef diz já perdeu as contas de quantas tatuagens fez desde os 16 anos Projeto "Chefs especiais" foca na inclusão de jovens com Síndrome de Down pela gastronomia
– Boa tarde, chef Fogaça?
– Quem está falando?
– É o chef Henrique Fogaça?
– É. QUEM TÁ FALANDO?
Nos primeiros cinco segundos da entrevista fica claro que o chef de cozinha e jurado linha-dura do Masterchef Brasil está longe de ser um personagem. Nascido em 1974, conforme a tatuagem que lhe sobe pelo gogó do avental, o chef Henrique Fogaça que conversa com Donna é exatamente o sujeito exigente, que parece se divertir erguendo a voz e intimidando os participantes do reality show.
Um exemplo ocorrera no programa exibido no dia anterior à entrevista. Fogaça se aproximou sorridente de uma sopa servida pela advogada paranaense Thaiana – e “quando ele sorri, nunca é bom”, conforme observara um dos participantes. Não seria mesmo:
– Não está bonito. Não está agradável. A gente não está aqui para alisar. Para fazer massagem.
Thaiana, até ali uma participante segura e talentosa, seria eliminada sem piedade.
– Muita gente de potencial saiu. Apenas um ganha, não tem como. Às vezes, a gente vê potencial, mas o participante se enrola, não se ajuda. Cada programa tem uma história, e nada se repete. Acho que essa coisa de ser dinâmico é um dos diferenciais – resume o chefe enquanto aumenta o volume do alto-falante bluetooth do carro, já um pouco irritado com a ligação baixa.
Fogaça topou atender a Donna no único espaço minimanente disponível de sua agenda: o tempo preso no trânsito de São Paulo. Então, ele já avisa que a entrevista se encerrará assim que ele chegar a uma gravação, para a qual já está 20 minutos atrasado. Qualquer buzinada que o entrevistador não estranhe.
Além do Masterchef, na Band, Fogaça participa de spots de cinco minutos na programação do canal a cabo TLC, o Rolê do Chef, e corre para colocar no ar o 200 Graus, no canal Discovery Home & Health. Ele não revela muito sobre o programa, cujo formato ainda está sendo trabalhado e tem estreia prevista para outubro. O que se sabe é que será um reality show sobre sua rotina dentro e fora dos restaurantes, enquanto recebe convidados. A amiga Ana Hickman já gravou participação.
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– Será uma série sobre a minha vida, sobre o meu universo. Está ficando bem legal. Espero que o público goste.
Enquanto isso, administra quatro estabelecimentos na capital paulista, cada qual com sua pegada. Seu primeiro restaurante, o Sal Gastronomia, completou 11 anos e traz no menu pratos fartos e saborosos, conforme o estilo de cozinha “antigourmetização” defendido pelo chef. Entre os projetos para o futuro, está uma filial do Sal em Miami.
O bar Cão Véio combina a decoração rock’n’roll com hambúrgueres e petiscos harmonizados com cerveja, enquanto Admiral’s Place aposta em whiskys e destilados e um ambiente mais relaxante. Seu mais novo estabelecimento, o Jamile, restaurante de três andares no Bexiga, leva no menu de sobremesas uma homenagem à principal responsável pelo início de carreira de Fogaça.
– Uma da receitas do Jamile é o arroz doce da minha avó. Uma receita simples, mas muito saborosa e que tem uma saída muito boa. Minha avó não é mais viva, mas carrego muito ela comigo. Ela e minha mãe me incentivaram muito. Sou grato a isso.
Não fosse a avó, Fogaça talvez ainda estivesse escondendo as tatuagens atrás de um balcão de banco. Seu início na cozinha veio do desejo de se alimentar melhor em meio à rotina do banco, onde foi trabalhar ao trocar Ribeirão Preto por São Paulo, aos 23 anos. Ligou para a avó e pediu consultoria para elaborar suas próprias quentinhas.
– Arroz, feijão, carne moída com batata. Coisas simples. Mas, com o tempo, comecei a pegar gosto pela coisa, a frequentar a feira, a comprar temperos e a combinar ingredientes.
Testemunha da infelicidade de Fogaça no banco em oposição à felicidade em meio às panelas, a mãe sugeriu ao filho se profissionalizar na área. À época, achou que a mãe estava louca, mas ficou com a ideia na cabeça. Depois de cinco anos “mexendo com cheques sem fundo”, pediu demissão e ingressou no curso de gastronomia do Centro Universitário FMU. Trajetória parecida com a dos participantes do Masterchef, portanto. Cozinheiros amadores até o ponto em que resolveram levar o talento mais a sério. Correto? Não. Não necessariamente.
– Minha carreira não começou como um cozinheiro amador, não. Eu estudei, me formei, comecei com sanduíches em uma kombi, depois fui vender na rua para me sustentar. Veio a oportunidade de abrir um café, e esse café hoje é o Sal. Cozinha é algo sério. Alimentar pessoas é muito sério. Do prazer para o profissionalismo, a diferença é a paixão. Tem que gostar muito de cozinha para trabalhar em um ambiente quente, com facas, coisas pesadas…
No reality show que pretende colocar na rua, Fogaça tem o desafio de superar a dificuldade em falar da vida pessoal. O chef encurta, por exemplo, o papo sobre as suas tatuagens, que começaram a ser feitas aos 16 anos. Não as lista, um pouco por impaciência, um pouco por ter perdido as contas mesmo. Caveiras, por exemplo, são quatro: além das duas observáveis no Masterchef – no pescoço e na mão direita –, tem uma no centro do peito e outra, enorme, que vai debaixo do mamilo direito até a cintura. Quem deseja ver melhor que frequente os shows da Oitão, banda em que Fogaça canta descamisado, como bom vocalista de hardcore.
Logo acima da caveira central, um coração leva o nome Olivia em letras cursivas. É o nome da filha mais velha do chef, de nove anos – além dela, há o garoto João, de oito, e a bebê Maria Letícia, de oito meses. Olivia foi citada em um episódio comovente do programa da Band. Em uma fala surpreendente, calma e séria, Fogaça revelou que tem uma filha especial, que ela se alimenta por sonda e provavelmente jamais provará da sua comida. Comparou os pratos feitos por alguns participantes ao gosto insosso da comida do hospital em que a menina, portadora de uma síndrome rara, estivera internada. A partir da experiência com a filha, o chef começou a dar aulas de gastronomia para crianças especiais na Fundição Especializada Industrial de São Paulo (Fundesp) em 2010.
– Todo mundo pode fazer um pouco mais pelo outro, sabe? Hoje uso o espaço que tenho para ajudar quem posso. Às vezes, nós mesmos ficamos colocando a culpa no governo, mas não fazemos nossa parte em ajudar. Todo mundo gosta de ajudar, não conheço ninguém que não goste. Se não acha possível de um jeito, ajude de outro. Penso muito assim hoje.
Fogaça atribuiu seu desabafo no ar à espontaneidade do programa – “Tem episódio que eu assisto e nem lembrava do comentário que fiz. É como se eu fosse novo para mim também”. Para ele, a surpresa é o principal mérito da atração, mas não o único.
– Um rapaz me parou na Avenida Paulista para dizer que a família dele se reúne para fazer competições de quem faz o melhor prato aos finais de semana. E era uma família desunida que se reaproximou na cozinha. Isso é bem legal, gratificante.
O chef comunica que está estacionando e teria de desligar. Fala que poderíamos continuar o papo, sei lá, depois das nove e meia da noite, mas sem muita convicção. De fato, Fogaça jamais voltaria a atender o telefone. A entrevista seria complementada, dias depois, por email.
A pergunta derradeira, então, é o que esperar da reta final da terceira temporada do Masterchef.
– Quer saber? Assiste lá, p***** – responde o chef, desligando em meio às gargalhadas.
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