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Quem frequenta a academia ou ao menos mora perto de uma conhece a cena: a galera musculosa termina o treino e vai logo chacoalhando a shakeira, para dar consistência ao elixir da boa forma, sem o qual nenhum maromba sobrevive. Ali dentro, misturado com água, está o pó mágico que reduz a gordura corporal, ajuda na hipertrofia muscular e repõe aminoácidos perdidos durante o exercício. Ali dentro está o absoluto whey protein. De uns tempos para cá, no entanto, o ritual de misturar o pozinho com água não é protagonizado somente pelo pessoal que puxa ferro. Cada vez mais gente comum, que dá apenas uma caminhada ou faz duas aulas de pilates por semana, se rende aos encantos deste suplemento. Adultos, para ajudar a manter o peso e complementar a alimentação; idosos, para repor a massa muscular perdida devido à idade; vítimas de algumas doenças crônicas, para reforçar o sistema imunológico. E por aí vai.
Tanta popularidade já se refletiu no mercado de produtos alimentícios. Além da versão original, em pó, que vem acondicionada naqueles potões, já existe uma lista de produtos à base de whey que podem ser consumidos a qualquer hora, em substituição a um lanche ou sobremesa. Picolé, sorvete, mistura para capuccino, bolo de caneca e barrinhas são algumas das opções para se ingerir whey fora da shakeira. A indústria já inventou até talharim e sopa instantânea, para garantir, segundo a descrição dos produtos, mais proteínas (e menos carboidratos) à refeição. Até o que era inimaginável já existe: brigadeiro de whey. Popularíssimo nas festas infantis no centro do país, os docinhos à base do suplemento já chegaram a Porto Alegre. A Brig's Atelier de Brigadeiro, por exemplo, fabrica a iguaria nos sabores tradicional e branquinho e garante: duas unidades substituem uma barrinha de proteína.
Utilizada na alimentação há séculos, a proteína do soro do leite é isolada na fabricação de queijos e outros laticínios. A palavra whey, aliás, quer dizer justamente isso: soro de leite coalhado. Sabe o líquido que sobra da fermentação de leite? Aquilo é whey protein em versão "de raiz", rica em proteínas e aminoácidos, que desde a antiguidade é utilizada para a recuperação de doentes e para o fortalecimento dos convalescentes. Em países como Itália e Inglaterra, o líquido era consumido como uma espécie de tônico. Até Hipócrates, dizem, recomendou um copinho diário do néctar precioso. Nos anos 1970, com os avanços na indústria alimentícia, um engenheiro brasileiro descobriu como desidratar o soro, abrindo o caminho para a fabricação da versão em pó, o que facilitou o consumo - o soro in natura, em estado líquido, é extremamente perecível, o que sempre dificultou sua circulação.
Desde então, a coisa só evoluiu: versões ultrafiltradas, a proteína totalmente isolada e, finalmente, o produto hidrolisado tornaram o suplemento um sucesso absoluto. No início dos anos 1990, a indústria americana lançou o primeiro whey protein em pó instantâneo e com sabor. Nesta época, os esportistas já haviam descoberto os benefícios do pozinho. Pesquisas concomitantes, no entanto, continuavam associando o consumo à melhora nos quadros nutricionais e clínicos de pacientes vítimas de variadas doenças.
Muito caro e inacessível à maioria das pessoas, o whey foi exclusivo de atletas por muito tempo. Por aqui, somente as versões importadas chegavam, a preços estratosféricos. Com o tempo, no entanto, novas versões foram surgindo, com mais sabores, mais variações e preços mais baixos. Há produtos com carboidratos, sem carboidratos, com outras proteínas associadas e com sabores que vão dos tradicionais chocolate e baunilha até os inusitados como cookies ou frango com legumes. Na carona do whey, outros suplementos já fazem parte da rotina das academias, como a albumina (proteína do ovo), a caseína (também derivada do leite) e a creatina (conjunto de aminoácidos extraídos da carne e do peixe).
Mas o campeão na preferência de todo mundo, dentro ou fora da sala de musculação, é mesmo o whey, cujo pote pode custar de R$ 50 a R$ 500, dependendo da origem, da formulação e, principalmente, do nível de confiabilidade. Sim, porque na carona do maior acesso também vieram as adulterações. Em teste realizado em agosto do ano passado, o InMetro analisou 15 marcas de whey protein comercializadas no Brasil: duas tinham até 30% menos proteína do que o anunciado no rótulo e 11 tinham quantidades de carboidratos diferentes do que estava descrito. Uma das marcas ainda associou à proteína do soro do leite duas outras proteínas, de origem vegetal, derivadas de trigo e soja, o que não é permitido.
Invenção de brasileiro
Pouquíssima gente sabe, mas a forma concentrada do whey protein, em pó, foi inventada nos anos 1970 por um brasileiro que ainda está vivo. Na época, Roberto Hermínio Moretti trabalhava para a Coca-Cola em uma pesquisa que tinha como objetivo aproveitar o resíduo da fabricação do queijo para produzir uma bebida proteica e que servisse para mitigar a falta deste nutriente na alimentação de muitas populações carentes. Moretti encontrou a forma de concentrar a proteína do soro lácteo e desidratá-la, evitando assim sua deterioração.
A invenção deu certo, várias fórmulas de bebidas foram desenvolvidas e a empresa patenteou a invenção. A bebida batizada de "Sampson", no entanto, nunca foi lançada no mercado. Moretti foi contratado como professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp e hoje está aposentado. Ao professor Jaime Farfan ele já afirmou nunca ter ganho um tostão com a invenção.
Muito além dos músculos
O pessoal da academia consome whey religiosamente porque o suplemento contribui, de fato, para o ganho de massa magra e para definir o corpo, já que os aminoácidos atuam na reconstrução das fibras musculares que se rompem durante a malhação. Por isso o ritual: saiu da sala de musculação, tomou whey imediatamente (os efeitos são potencializados se a ingestão ocorrer logo após o exercício).
— O whey é uma proteína pós-treino, que tem efeitos muito positivos em quem malha e quer ter ganho de massa magra. Mas uma coisa é importante: não basta sair tomando whey para ganhar músculo. É preciso treinar. Se o sujeito não treinar, o whey sozinho não faz milagre — afirma a nutricionista clínica e esportiva Camila Borella.
O mito de que ingerir whey ajuda a emagrecer também é questionado por Camila. Segundo ela, isso até pode ser verdade, mas depende de fatores como a rotina de exercícios e a dieta e também do tipo de suplemento que se toma. Sem a prática regular de atividade física e com uma dieta hipercalórica, a perda de peso não se concretiza. Além disso, há tipos de whey mais calóricos, que também podem sabotar o emagrecimento.
— Recomendo whey para quem malha. Se não malhar, acho que não é necessário, com exceção de pessoas com deficiências alimentares ou os veganos, que ingerem poucas proteínas. Para os demais, basta incluir carne e ovos na dieta e pronto. Já são proteínas suficientes — garante Camila.
Pesquisas ao redor do mundo indicam, no entanto, que a proteína do soro do leite pode atuar na prevenção e tratamento de males diversos, o que abonaria o seu uso por um número muito maior de pessoas. O professor Jaime Amaya Farfan, que possui pós-doutorado em química de alimentos pela Universidade da Georgia, nos Estados Unidos, é um dos estudiosos da proteína há mais de 15 anos no Brasil. Segundo os estudos de seu grupo, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ingerir a versão hidrolisada do whey pode auxiliar no combate ao estresse e a doenças como diabetes do tipo 1 e 2.
— Estudos recentes feitos por outros pesquisadores já mostravam que o whey protein comum, ingerido meia hora antes de uma refeição, tinha o efeito de melhorar a liberação de insulina e diminuir o glucagon (hormônios que estimulam a captação de glicose sanguínea em pessoas diabéticas do tipo 2). O que nós mostramos é que, no rato, o whey protein hidrolisado atua por outra via, estimulando a captação de glicose sanguínea, mas sem a presença da insulina. Neste caso, o produto seria potencialmente útil tanto para o diabético do tipo 1 como do tipo 2 — comenta Farfan.
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Suas pesquisas também demonstraram, em roedores, que a ingestão do suplemento hidrolisado pode aumentar a tolerância ao estresse, melhorando a condição de saúde dos animais.
— Observamos que ratos submetidos ao estresse do exercício corriam mais e terminavam mais "tranquilos" que os demais, com níveis glicêmicos baixos, o que não ocorreria normalmente, já que o estresse causa um tipo de hiperglicemia.
E a coisa não para por aí. Pesquisa recente, que está em vias de publicação, aponta uma espécie de efeito prebiótico do whey comum, que protege a flora intestinal contra os males causados pelo excesso de gordura na dieta. Apesar de não haver estudos avançados sobre o uso do whey por idosos, Farfan acredita que os efeitos podem ser benéficos tanto no reforço muscular quanto no equilíbrio intestinal.
— Devemos lembrar que o leite humano é composto principalmente de proteínas do soro, ou seja, whey.
Outros estudos, comandados por universidades e centros de pesquisa nutricional de todo o mundo, apontam benefícios do consumo de proteína do soro para pessoas com deficiências nutricionais e baixa imunidade, como idosos e pacientes crônicos. Até como coadjuvante na prevenção de males como catarata, Parkinson e Alzheimer o produto já figura, apesar de não haver qualquer comprovação para isso.
Um parceiro fiel
Quando acorda, a primeira coisa que o empresário Eduardo Santos, 35 anos, faz é preparar o café da manhã. Mas nada de pãozinho, café e suco. No liquidificador, ele bate água, batata doce, banana e aveia, tudo arrematado por uma boa porção de whey protein. Essa é a primeira das quatro doses do suplemento que Edu toma todos os dias, religiosamente. Praticante assíduo de musculação e com o corpo perfeitamente esculpido, ele ingere o pozinho para moldar os músculos, sim, mas não apenas para isso.
— Eu tomo muito porque me sinto bem, me sinto alimentado. A correria do dia a dia não deixa a gente ter uma nutrição adequada, então recorro ao whey. Tomo quatro vezes por dia, e um potão de 900g me dura uma semana. Acho que sou meio viciado — brinca Edu.
Aficionado por alimentos saudáveis, Edu raramente escapa da dieta nutritiva e rica em proteínas que adotou para si. No almoço, arroz integral, uma saladinha e frango compõem o cardápio mais frequente. À tarde, quando a fome bate, é hora da segunda dose de whey, normalmente acompanhada por uma ou duas fatias de batata doce. Depois de treinar na academia, mais whey. E, antes de dormir, para acalmar o corpo e espantar a sensação de fome, é hora de mais whey, misturado com aveia.
A ingestão de toda essa proteína é supervisionada, segundo Edu, por um nutricionista. O preparador físico que o acompanha nos treinos não considera necessária esta quantidade, mas, ainda assim, Edu sente-se bem tomando suas quatro doses diárias. Há 10 anos, quando começou a treinar, conheceu os benefícios do pozinho e nunca mais o abandonou.
— O suplemento não substitui a alimentação, mas complementa. Se tenho uma reunião longa, já levo minha dose e tomo na hora da fome. Quando viajo de avião, levo o pó para não precisar comer o que eles oferecem no serviço de bordo. Enfim, o whey faz parte da minha vida e faz eu me sentir muito melhor - completa.
A malhação foi, o whey ficou
O whey entrou na vida da produtora de eventos Patrícia Leivas, de 38 anos, para repor as proteínas após a malhação e também porque a dieta dela era pobre neste tipo de nutriente.
— Nunca fui de comer muita carne ou ovo e precisei tomar em função dos treinos. Agora, estou há seis meses sem malhar, mas continuo tomando uma dose por dia. Simplesmente acho que me faz bem. Além do mais, é tão bom como qualquer achocolatado, então tomo uma medida com leite desnatado de manhã ou antes de dormir — explica Pati.
A ingestão do suplemento continua supervisionada pelo nutricionista, já que a alimentação continua carente de proteínas. Outro efeito que Patrícia atribui ao whey é a melhora no tônus da pele do rosto, que possui pouco colágeno e tende a tornar-se flácida mais rapidamente. A ingestão diária do pozinho faz com que ela note o rosto mais firme. E não largue do hábito:
— Esse negócio de que só maromba pode tomar whey é bobagem, é mito. Enquanto me fizer bem, vou continuar tomando, mesmo sem malhar.
Mocinho que pode ser vilão
Apesar de aclamado, o whey protein não é apenas benefícios. O consumo excessivo e sem orientação profissional de um médico ou nutricionista pode ocasionar males bastante sérios. O mais comum deles é a sobrecarga dos rins e do fígado pelo excesso de proteínas na dieta. O geriatra Emílio Moriguchi tem atendido um número cada vez maior de casos de hepatite provocada, segundo ele, pelo consumo indiscriminado de suplementos, em especial de whey protein.
— Já sabemos seguramente, em função de pesquisas, que os suplementos vitamínicos aumentam a mortalidade. O whey é um suplemento cheio de aminoácidos dos quais precisamos, mas que, se ingeridos sem necessidade, certamente vão fazer mal. Eu não recomendo o uso a ninguém — sentencia Moriguchi.
Ainda de acordo com o médico, é importante repor os aminoácidos de forma natural, incluindo ovos, carne e leite na dieta. O mesmo ocorre com as vitaminas, que devem ser ingeridas por meio dos alimentos e não na forma de comprimidos e cápsulas. Para manter níveis saudáveis dessas substâncias no corpo, basta ter uma dieta equilibrada e variada. Quando o assunto é a suplementação de nutrientes para os idosos, Moriguchi é ainda mais enfático.
— Não recomendo que idosos façam uso deste produto. Há formulações específicas para cada caso, que suprem as deficiências de acordo com o quadro de cada idoso. Mas em nenhuma das hipóteses eu recomendaria o whey protein aos meus pacientes — afirma.
Substituir alimentos por doses de whey também é alvo de críticas por parte dos profissionais. A nutricionista clínica e esportiva Camila Borella, por exemplo, diz que é comum as pessoas substituírem lanches saudáveis ou frutas por barras de whey - o que está bem longe de ser recomendável.
— O consumo de whey como lanche está tirando das pessoas o hábito de comer frutas. E isso é péssimo para a saúde — avalia Camila.
Whey do casamento à festa infantil
A vida corrida e o comportamento sedentário do casal Victor Sessa e Isabel Pupo, ambos de 25 anos, fizeram com que ambos ganhassem peso e perdessem disposição e energia. Decidiram, então, mudar a rotina em nome de hábitos mais saudáveis. Passaram a frequentar a academia e adotaram uma alimentação balanceada. Foi quando Isabel descobriu um quadro de pré-diabetes que a impedia de consumir doces. A única alternativa para matar a vontade foi um brigadeiro de panela que ela inventou, contendo whey protein na receita para garantir a doçura. Um ano e dez meses depois, a vida do casal mudou por completo graças àquele whey.
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Percebendo uma demanda crescente por produtos mais saudáveis e com uma pegada fitness, o casal abandonou o que fazia - ele era advogado e ela, farmacêutica - e criou a Brigadeiro Whey, empresa que fabrica seis mil brigadeiros por mês, todos com a proteína na fórmula. Além dos docinhos, que são o carro-chefe, eles ainda fabricam mensalmente cinco mil trufas, mil embalagens de pasta de amendoim e 800 brownies, tudo à base de whey, sem glúten e sem açúcar. Os maiores clientes da Brigadeiro Whey ainda são as lojas de produtos naturais e suplementos para esportistas, mas é cada vez maior a procura para festas infantis, de 15 anos e casamentos. Entre as crianças, por exemplo, a iguaria faz o maior sucesso, especialmente se há entre os convidados algum pequeno intolerante a glúten ou lactose.
— Apesar de ser cada vez mais consumido, o whey ainda é visto como anabolizante por muita gente, o que é um erro. Esse pensamento está começando a mudar — comemora Victor.
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