Nunca imaginei que um dia subiria ao palco do Theatro São Pedro, mas aconteceu – é a literatura cumprindo a promessa de me levar onde nunca estive. Mesmo não sendo atriz, “contracenei” com o psicanalista Christian Dunker durante a gravação comemorativa dos 20 anos do programa Café Filosófico, onde debatemos, diante de numerosa plateia, um tema que a todos interessa: o amor.
Durante a nossa troca de reflexões, condenei a antiga cultura dos contos de fada, que apresentava o amor como salvação da vida de sonsas princesas. Uma vez despertadas por um beijo, elas se acomodavam a um enigmático “pra sempre” que antecipava o ponto final de suas histórias, como se a partir dali nada de mais interessante pudesse acontecer. Este romantismo nunca foi aliado do amor: colocou na cabeça das mulheres que se elas não cumprissem a missão de formar um par, de pouco valeriam.
Hoje, personagens guerreiras e ativistas substituíram as princesas como modelos de heroínas, e ninguém mais elege o “pra sempre” como meta – o que tem que durar é o entusiasmo em realizar os próprios desejos, que mudam com o tempo.
Não é o fim do amor, e sim um recomeço menos idealizado. O amor sem o dramalhão incluído. O amor como recompensa por diminuirmos a ansiedade e buscarmos autoconhecimento e autoestima, que é o que faz o amor se aproximar. Sem rufar de tambores.
A meu ver, a melhor frase da noite não foi minha nem de Dunker, mas a do publicitário e poeta Marcelo Pires, que durante uma pergunta dirigida a nós sobre a razão deste sentimento ser tão superlativo, conjecturou: “Às vezes, parece que o amor atrapalha o amar”.
Exato. Se nossa solidão tivesse o mesmo prestígio que namoros e casamentos, não cederíamos à cobrança de “ter que” amar alguém, as relações seriam mais espontâneas.
Se o amor romântico descesse do pedestal em que foi colocado e circulasse no meio da multidão, não seria tão divinizado. O amor ainda é visto como coisa de Deus e o sexo como coisa do Diabo. Só que é do sexo o encargo de manter a continuidade da espécie, então o amor tornou-se um álibi providencial para que o processo pareça sublime, em vez de obsceno. O amor como elevação dos hábitos mundanos.
Bonito, mas prefiro o amor rés do chão, mais maduro e livre. A simples alegria de estar junto, a dispensa do grude, a paciência com as diferenças do outro, planos imediatos em vez de aposta na eternidade, o apoio necessário, a amizade erótica prevalecendo sobre os desatinos. Algum sofrimento surge, mas os momentos difíceis não precisam ser glorificados como sacrifícios inerentes ao amor. Zero tolerância para a violência, bom humor, mesa farta e, se for imprescindível alguma coisa grandiosa que inspire um poema épico, que seja o rótulo do vinho.