Duas pessoas que amo somaram pontos no ranking dos meus afetos, não por estarem ao meu lado, mas por não estarem. Às vezes, o maior presente que você pode dar a alguém é a sua ausência, e entendo se você discordar. Vem aí uma confissão atípica.
Sou uma mulher que não se atrapalha com a solidão – gosto de ficar sozinha. Minha parceria comigo funciona, o que não impede que eu valorize os momentos com amigos e familiares. Aliás, é justamente por isso que os amo tanto: eles são meu ponto dentro da curva, me fazem sentir “normal”. Sei lá por que, é considerado anormal a pessoa se contentar com a própria companhia, algum problema a criatura deve ter.
Devo ter. Gosto de flanar pelas ruas, ir ao cinema, assistir a séries, sem me sentir incompleta por não haver alguém ao lado. Não por acaso, elegi a literatura como profissão: não há como exercê-la em equipe. Sou uma loba solitária e debato sobre isso com meu terapeuta uma vez por semana – nos outros dias, me trato por escrito, no abandono do meu escritório, onde estou agora, sozinha e ao mesmo tempo com você, que me lê.
Entrando no assunto: durante a pandemia, não viajei. Surgiu agora a ocasião e a urgência de pegar um avião e sobrevoar o oceano. Não era o melhor momento para meu namorado, mas, se eu insistisse, ele embarcaria comigo. Não insisti e ele não me impôs nenhuma DR. Conhece a mulher que tem. Sabe que depois de um longo período em que ficamos isolados do mundo, voltados um para o outro, eu precisava matar saudades de mim.
Parece simples e é simples, mas o apreço à simplicidade é uma mentira que as pessoas contam. No fundo, adoram um drama, acreditam que as discussões dão mais consistência à vida. Geralmente são jovens, têm tempo para desperdiçar. Não é o meu caso. Sem drama, estou embarcando apenas com minha mochila.
Mais difícil foi contar para uma amiga que mora a quatro horas de trem da cidade onde encerrarei meu rápido tour. Como explicar que o grande encontro marcado era comigo mesma? Se eu não a visse há um longo tempo, seria diferente, mas estivemos juntas poucos meses atrás.
Mandei o WhatsApp, contei da viagem. E ela foi de uma classe que, mesmo que eu esperasse, me surpreendeu: “Te conheço, não precisa fazer cerimônia comigo: se precisares de companhia, me chama, mas sei que não vais precisar”. Amizade de mais de 40 anos. A preciosidade que é.
Culpa? Óbvio que irá acondicionada em um nicho da bolsa. Sou católica, apostólica, romana. Candidata à crucificação. Mas não consigo abdicar dos meus desejos. Não mais. A maturidade veio definitivamente em meu auxílio, tanto a minha, quanto a maturidade de quem convive comigo. Você tem medo de envelhecer? Não tenha. É quando o amor se revela em plenitude, dispensando os clichês.