Todo casamento passa por altos e baixos, e quando termina é uma pequena morte. Apostou-se que aquele amor seria o definitivo, ou que, ao menos, a amizade erótica resistiria firme às provocações inevitáveis do destino, mas algo se quebrou e não há mais o que fazer a não ser tentar ser feliz de outro jeito. Fica a tristeza e a frustração, mas o pior momento acontece antes de a porta fechar com alguém do lado de fora: é quando os filhos precisam ser avisados.
Uma separação sem filhos dói também, mas não igual. A dor é singular, uma implosão.
Havendo filhos, é um castelo de vários quartos que desmorona, não apenas uma torre. Se a separação for litigiosa, precedida por gritos e agressões, o desfecho será um alívio, mas a um custo dilacerante.
Se, ao contrário, for uma separação consensual, ficha limpa, sem fissuras visíveis, será menos dolorida, mas nunca descomplicada. Afinal, há inocentes envolvidos – de todas as idades.
Quando meus pais se separaram, eu era uma mulher de 20 anos, já trabalhava, mas diante da ruptura, mesmo que amigável, voltei à infância primária. Caminhei uma tarde inteira sem ter para onde ir, não queria chegar a lugar nenhum. Em trânsito, eu me preparava para a nova história que iria começar, como se eu fosse nascer outra vez. E assim foi, nasci, e voltei a nascer outras tantas vezes nesta vida repleta de mortes pontuais.
Imagino a garotada de oito, 10, 11 anos. Apegam-se à fantasia da continuidade, ao conto de fadas universal, à segurança garantida por dois adultos no comando de um projeto de felicidade, até que descobrem que mãe e pai se desiludem, falham, mudam. O “pra sempre” é apenas uma farsa bem-intencionada: o mundo externo atrai nossos super-heróis com desejos subversivos. Ambos fizeram juras no altar, mas não passam de reles humanos, que decepção.
“Queridos, desliguem o computador, deixem os celulares de lado, vamos conversar ali na sala”. Tensão. Os pequenos olham para nós, incrédulos, enquanto usamos as palavras mais ternas, prometendo estar sempre a postos e que ter duas casas vai ser divertido, que o amor não sofrerá nenhum abalo. De fato, mas cada um organiza sua desconstrução em silêncio.
Hoje a cena parece banal, mas os pais que um dia tiveram esta conversa sabem que é uma tortura: tão dedicados a proteger os filhos do sofrimento, são obrigados a provocá-lo. Atenuante, só vejo um. Que o “pra sempre” deixe de ser uma promessa. Que a eternidade da relação passe a ser vista por todos como uma benção, não mais como regra. Sem prejuízo ao amor, que ao assumir-se finito, trocará o romantismo por uma edificação mais sólida – e bonita como só a verdade consegue ser.