Ao sair do quarto do pequeno hotel, atravesso um corredor silencioso e desço os três lances de escada, até chegar à porta do prédio, que está aberta. Respiro fundo e ganho a calçada. Atrapalho o movimento contínuo dos pedestres, são nove horas de um dia útil. Olho para cima e saúdo a falta de nuvens, o dia promete se manter estável até que anoiteça.
Não tenho para onde ir. Nenhum compromisso. Ninguém a minha espera. Apenas ela, a cidade. Dou os primeiros passos independentes: me apresso, me demoro, paro diante da vitrine de uma papelaria, ignoro a entrada da estação do metrô.
Enquanto caminho, vou delineando o traçado desta manhã que, em algum momento, invadirá a tarde sem exigir um horário determinado para o almoço. Estou livre das demarcações do tempo (mas os museus só abrem a partir das 10h). Enquanto isso, cruzo por um sobrado em reforma, por uma florista e seus girassóis, por um bistrô cuja placa avisa: “desde 1907”. Eu me sentaria para um café, se houvesse uma mesa desocupada junto à janela, ou se eu gostasse de café. O vidro reflete minha imagem. Cumprimento a mim mesma com um sorriso e ajeito a franja.
O sinal fecha, vou até o outro lado da rua. Recordo o orgulho inocente dos meus oito anos, quando achava que os carros paravam especialmente para eu passar. Escolho vielas residenciais, fotografo portões, observo os gatos que dormem nos parapeitos. Bem acomodada dentro de mim, caminho mais um pouco.
O bairro já é outro. Agora as árvores se enfileiram no meio-fio e há uma loja de instrumentos musicais, escuto um piano. Percebo o tédio de um garçom que aguarda o cliente pedir a conta. Uma estudante cuja mochila parece pesada demais. O beijo caloroso de um casal antes de seguirem para lados opostos. É como se eu perambulasse dentro de um filme que eu mesma dirijo, atuo, corto, monto. Meu longa-metragem.
Após 40 minutos de arte moderna, deixo o museu e compro uma revista. Puxo uma cadeira, me sento à mesa de um quiosque, peço uma tábua de frios e um cálice de vinho. Faço anotações e verifico mensagens no celular, ainda não evoluí o bastante para ignorá-lo.
Coloco os fones de ouvido e escolho uma música aleatória na playlist. A luz do dia se alterou. Com a mente à toa, encontro a solução para um problema antigo que já nem incomodava tanto. E então opto em seguir pela ponte, os lampiões logo serão acesos e o rio estará no mesmo lugar amanhã, mas será outro rio, a literatura me contou este segredo anos atrás, e eu serei outra também, pois andar nos transforma.
Calçarei sapatos confortáveis e minhas pernas me levarão, mais uma vez, a parques, avenidas, rooftops, livrarias. Não sinto medo ou solidão. Levo a alma para ser curtida ao sol. Caminhando, faço parte da vida.