Éramos quatro escritoras em volta de uma mesa, num bistrô. A conversa não podia estar mais divertida. Até que um sujeito passou por nós, nos reconheceu, cumprimentou e disse: “Posso imaginar o papo cabeça que está rolando aí”. E saiu de perto com uma cara de “Deus me livre”.
O simpático cidadão ficaria corado se escutasse um pedacinho do nosso papo cabeça. Logo nos perguntamos: será mesmo que as pessoas pensam que a gente se reúne para falar sobre a obra completa de Thomas Mann e que tentamos desvendar o significado de cada verso dos Lusíadas enquanto rachamos uma pizza marguerita?
Alguns têm certeza. Um conhecido, uma vez, me cumprimentou pelo lançamento de um livro que lancei meses depois de me separar. Junto com os parabéns, ele emendou: “Aproveita o sucesso, porque casar você não vai mais”. Como assim, volte aqui, me explique isso direito.
Não abro mão de conversas inteligentes, mas para dissertações eruditas existe hora e lugar. Eu mesma, podendo, corro para o outro lado quando alguém começa uma conferência didática-enciclopédica em mesa de bar. Numa sala de universidade, é estimulante. Em meio a uma palestra num auditório, empolga. Escutar um sábio falar durante um jantar, na casa de alguém, salva a noite.
Mas num boteco barulhento, em meio a bolinhos de bacalhau, copos de chope e cercado por amigos da adolescência, quem vai querer escutar sobre a profundidade lírica da trilogia cinematográfica do brilhante Krzysztof Kieslowski? É muita consoante para uma noite de sexta-feira.
E se for um primeiro jantar a dois, romântico, aí o papo cabeça funciona mais ou menos como um ex que entrou no recinto para quebrar o clima. Dá aquela vontade súbita de pedir a conta.
Em nosso último encontro, minhas amigas e eu conversamos sobre as vantagens triunfais da maturidade, um pouquinho sobre política (só um pouquinho, antes da comida ser servida), sobre a diferença da nossa geração para a de nossos filhos, sobre a viagem que uma de nós fez aos Lençóis Maranhenses, sobre a Anitta, a Monica Salmaso e um ator francês que ninguém lembrou o nome, sobre um bafão que aconteceu na cidade, sobre uma exposição que ainda está em cartaz em São Paulo, sobre paixões infernais, sobre amores inventados e mais um longo etecetera, porque os assuntos são sempre múltiplos e vêm acompanhados de muitas gargalhadas – claro que sob a supervisão dos neurônios, mas sem permitir que eles nos transformem em catedráticas.
Papo com farra, sarro, troça, graça e só um pouquinho de desgraça. Somos criaturas trágicas, mas isso a gente deixa para debater na consulta com o analista. Fora do horário do expediente, nosso papo cabeça desce a linha do pescoço, ronda o coração e onde mais a alma alcança – enquanto isso, o cérebro descansa.