Virou promessa de palanque conservador: “em defesa da família!”. De todas, eu espero, mesmo que insistam em falar de família no singular, como se só existisse uma.
A Jussara, por exemplo, cria dois filhos sozinha. O mais velho dá uma olhada no menorzinho quando ela precisa ficar no trabalho até mais tarde. Ela é empregada doméstica. Que bom que o governo se preocupa com ela.
O Rodrigo se casou com o Lucio e eles adotaram duas crianças. Mas o Lucio morreu de covid antes que as vacinas começassem a ser distribuídas. Hoje o Rodrigo cria os bebês com a ajuda da irmã, mas não é fácil. Ainda bem que o governo está em defesa dele, combatendo o preconceito.
A Tatiana fez 40 anos e não se casou, mas queria muito ser mãe. Fez uma inseminação e veio a Bia, que hoje tem quatro anos e é a melhor filha que se poderia desejar, as duas se divertem, se completam e Tatiana está se saindo uma perfeita mãe solo. Imagino o orgulho que o governo sente dela.
Quando a bela e submissa Nadine estava grávida de seis meses, Guto, que era o provedor da casa, morreu. Nadine deu à luz uma menina linda e doentinha. Os medicamentos foram ficando cada vez mais caros, os parentes sumiram e ela passou a aceitar a ajuda de um senhor, em troca de pequenos favores. O governo estará aqui para o que você precisar, Nadine.
Os gêmeos Carla e Claudio tinham 14 anos quando os pais se separaram. A mãe voltou para o Interior, enquanto o pai foi procurar trabalho no norte do país. Cada um levou um filho. Ainda bem que o WhatsApp ameniza a distância dos irmãos e que os políticos zelam por todos.
O filho da Gisela não teve uma infância fácil. O pai não aceitava que ele fosse mais sensível do que os outros garotos do bairro. Quando soube que ele se identificava como menina e iria trocar de nome, deu uma surra no coitado, mas não adiantou nada. Hoje a Gisela tem uma filha em vez de filho, e o ogro se mandou. Fico tranquila em saber que o governo se sensibiliza e ajuda a conscientizar as famílias sobre as pessoas trans.
Helena e Ricardo têm um filho gay e uma filha especial, ambos adotados. Sonia e Vivi moram juntas e não pretendem ter filhos. Juarez e Monica também não, mas estão pensando em ter mais um cão — já têm dois. Julio mora com os pais até hoje, mesmo tendo 47 anos. Renato, Rosa e Milton se amam e se mudaram para um sítio. Regina e Valter nunca oficializaram a união. Sergio mora em São Paulo e Virginia no Rio, desde que se casaram, há 12 anos. Marina foi trabalhar na Espanha e deixou os dois filhos com Marcos, mas visita-os sempre que pode.
Que alívio que o governo está em defesa de todas essas famílias. Agora só falta citá-las no plural.