Prezado, prezada,
Nem por um segundo cogitarei que você enfiou a mão na minha bolsa num momento em que eu estava distraída. Minha intuição diz que você não cometeria essa indelicadeza. É mais provável que eu tenha esquecido a carteira sobre a bancada de uma loja, na hora que estava pagando algo, ou a deixei cair no chão do shopping durante uma manobra desastrada, talvez ao colocar a alça da mochila por cima do ombro – tenho a mania tola de deixar zíperes semiabertos. Você chegou logo depois e deparou com aquele objeto ali, abandonado, dando sopa.
Já soube que você não foi até o setor de achados e perdidos, ninguém me chamou pelos alto-falantes, ótimo, um mico a menos. Tampouco me mandou uma mensagem pelas redes sociais, deve ser um dos poucos tímidos que ainda restam. Por via das dúvidas, fiz um boletim de ocorrência, por favor não se ofenda. Agora você tem em mãos um cartão de crédito inútil, já que bloqueado, e R$ 1,1 mil em dinheiro vivo. Já não uso dinheiro pra nada, mas havia dois pagamentos em cash a fazer naquela tarde. Me conta, criatura de sorte, por onde vai começar?
Torço para que você se matricule em algum curso, que sonhe em fazer aulas de dança ou teatro, e que a quantia seja suficiente pra arrancada. Ou que você entre numa livraria e saia com três sacolas repletas de poesia e ainda compre ingressos para ir a um show com os amigos. O troco você destina a uma rodada de cerveja e bolinhos de bacalhau, avise a turma que é por sua conta. Não me decepcione sendo sovina com dinheiro que caiu do céu.
Puxa, você não tinha me dito. Seu filho sonha com a camiseta oficial do time dele, pediu de Natal. Agora ficou sem desculpa, atenda o garoto, mas seja um Papai Noel para sua mãezinha também, ela está devendo uma fortuna na farmácia. Se você ainda não está por dentro do preço dos medicamentos, vai cair duro quando souber o quanto a coitada desembolsa para se aliviar das dores da artrite.
Olha, não é porque estou ligeiramente envolvida no assunto que vou me sentir no direito de me meter, mas já me metendo: dá para lotar o carrinho do supermercado, dá para encher o tanque e dá para pagar as dívidas mais urgentes, se você tiver juízo. Ou entrar no primeiro ônibus para o litoral com seu amor e trocar um longo beijo em frente ao mar. Claro, dá para poupar, depositando cada centavo no banco, mas não vejo graça nenhuma. Se a carteira perdida fosse de um desempregado, seria calamitoso, mas vá que o desempregado seja você: gaste. Bombons, camisa nova, um corte de cabelo, outra tattoo, assinatura de um canal, luzinhas na sacada. Recompense minha perda fazendo bom uso do seu desejo. Lamentarei menos se você atenuar a falência geral e ser estupidamente feliz por um dia.