A notícia vazou e percorreu todas as salas de aula: Fulana, da sétima série, estava grávida. Uma garota de 13 anos, em plenos anos 1970.
Os pais já haviam sido chamados pela direção. Os comentários variavam de “pobre inocente, não sabia o que estava fazendo” até “começou cedo na safadeza”. A garota sumiu uns dias, os ânimos serenaram e a verdade finalmente apareceu: colegas rivais haviam espalhado o boato. Uma brincadeirinha.
Boatos costumavam circular em locais restritos. Colégios, clubes, escritórios, no máximo pelas ruas do bairro: o prejuízo das vítimas era localizado. Vítimas? Exagero. Boato não feria nem matava, diziam.
Eu discordava em silêncio. Boato feria e matava, sim. Era um golpe baixo que ficava sem punição e que não deixava cicatrizes visíveis – alguém enxerga a alma destroçada dos outros?
Nunca imaginei que esta perversidade se sofisticaria. Hoje o boato ganhou um nome em inglês, seu alcance é ilimitado e o estrago não é pequeno: viramos, todos, seres manipuláveis – quando não manipuladores. Ninguém escapa do abjeto universo das fake news.
Água quente mata o coronavírus. Cartório registra primeira criança com o nome Alquingel. Governo russo solta leões na rua para forçar as pessoas a ficarem em casa. Se a notícia parece plausível ou se é completamente insana, tanto faz. Em segundos estará infestando as redes e transformando a todos em idiotas: os que propagam a desinformação e os que nela acreditam.
Passando adiante essas falsidades, vamos criando, com pretensa boa-fé, um mundo fictício.
Ingerir vinagre engana bafômetros. Facebook doará um real para cada curtida que você der neste site. Sim, sim, não custa tentar, vá que. Porém, passando adiante essas falsidades, vamos criando, com pretensa boa-fé, um mundo fictício.
Até que você lê um texto ridículo atribuído a Arnaldo Jabor, e repassa sem checar se é do Jabor mesmo. Ou assiste a um vídeo do Fabio Assunção dizendo coisas que não batem com o perfil dele, mas você ignora as evidências de que é apenas um clone e posta o vídeo no seu grupo de WhatsApp.
O mundo fictício que você está ajudando a criar já não é mais fruto da sua boa-fé, mas da má-fé de quem está manipulando a sua inocência ou sua ignorância através de uma indústria cibernética de disseminação de mentiras.
As fake news podem ter seu alcance reduzido se nos habituarmos a checar tudo o que for suspeito. O material veio mal escrito? Não traz a data em que o pretenso fato aconteceu? É passível de montagem? Então, verifique sua autenticidade em sites como Boatos.org, Catraca Livre, E-Farsas, Aos Fatos e Agência Lupa. Uma busca rápida no Google funciona também. Mantenha-se honesto e resista ao impulso do compartilhamento irresponsável.
Você é bacana demais para difundir asneiras ou, pior ainda, virar cabo eleitoral de criminosos.