No século 14, quando a peste negra dizimou cerca de um terço da população da Europa, a ciência ainda não estava suficientemente desenvolvida para entender o que causava a doença e como ela era transmitida. Desorientados e com medo, nossos antepassados fizeram o que estava a seu alcance: rezaram, testaram curas que não curavam e caçaram culpados que não tinham culpa. Enquanto judeus e outros bodes-expiatórios eram perseguidos e mortos à toa, a bactéria que causava a doença continuava fazendo seu trabalho, pulando dos ratos para as pulgas e das pulgas para o homem, sem respeitar fronteiras ou credos religiosos.
Nada indica que corremos o risco de o coronavírus varrer do mapa um terço da população do mundo, mas enquanto a vacina não chega podemos aproveitar a comoção global para observar como a desinformação se espalha pelo planeta usando a tecnologia como hospedeira. Das mais modernas teorias conspiratórias às piores charlatanices, não há disparate que dra. Internet e sua equipe se recusem a receitar a alarmados e alarmistas do século 21. No caso de doenças como o sarampo e a poliomielite, já é possível dimensionar o tamanho do estrago causado por esse tipo de desinformação. Um estudo divulgado pela Avaaz, sobre a volta de doenças que haviam sido controladas no Brasil, mostra uma queda brutal nos índices de vacinação contra o sarampo (de 96%, em 2015, para 57%, em 2019) e da pólio (de 95%, em 2015, para 51% em 2019) - causada, basicamente, por mentiras espalhadas pela Internet.
A informação falsa é um risco para a saúde pública da mesma forma que a fake news é um risco para a democracia. Cada vez fica mais evidente que o combate contra a desinformação deveria se tornar a prioridade número 1 da nossa época. Nada é tão importante, em 2020, quanto desmascarar quem desqualifica a ciência e o conhecimento dos especialistas, compartilha mentiras e banaliza a expressão "fake news" referindo-se a jornalistas que estão fazendo seu trabalho de forma séria e responsável.
Nenhuma teoria conspiratória é inofensiva, nenhuma mentira é inocente, nenhuma desinformação é sem consequências. Podemos achar graça de quem acredita que a Terra é plana, mas na hora em que um novo vírus bate na porta não é o Dr. WhatsApp que vai para a bancada do laboratório desenvolver uma vacina. Nesse momento, quem nos salva são cientistas e especialistas. Na batalha contra a desinformação e a mentira, estamos exatamente como os europeus do século 14 flagelados pela peste: desorientados, com medo e ainda muito longe de uma cura.