Na semana passada a Casa de Mulheres Mirabal, que abriga vítimas da violência doméstica, perdeu mais uma vez na Justiça o direito de continuar no lugar que hoje ocupa, uma escola abandonada na zona norte de Porto Alegre.
Foram quatro votos contra a permanência da Mirabal naquele espaço e apenas um a favor, o do relator do processo, que apesar do belo trabalho que fez, não conseguiu convencer os colegas. Uma desembargadora e o presidente da sessão chegaram a reconhecer a importância da Mirabal, mas votaram contra.
A alegação é a de que o município possui suas próprias casas de acolhimento, e que as psicólogas, advogadas e outras profissionais voluntárias que lá atuam não prestam o atendimento que a prefeitura considera ideal.
Para quem olha de fora, a escola não parece mesmo reunir condições para moradia. Dentro dela, a impressão é outra.
Na casa, as abrigadas têm uma rotina produtiva. B., muito jovem ainda, passa o dia fazendo bijuterias. A mesa da cozinha fica até pequena para tantas miçangas de cores diferentes que ela transforma nas pulseiras e nos brincos que vende pelo Instagram.
Todas contribuem com a arrumação. Há roupa para lavar, comida para fazer, muito para colocar em ordem. A velha escola bem que precisaria de algumas obras para ficar mais confortável, mas quem procura acolhimento ali não está em busca de um hotel com estrelas. Precisa é de apoio e segurança.
No sábado, dia 25, o Festival Mirabal, que acontece uma vez por ano, reuniu artistas importantes da cidade e muitas mulheres expondo seus produtos para um público que lotou a Praça do Tambor, no Centro Histórico.
As doações de alimentos encheram a cozinha. Dezembro costuma ser um mês de muitas demandas para as instituições que atendem pessoas em situação de vulnerabilidade. É uma boa oportunidade para contribuir com elas, que são muitas e contam com a nossa ajuda.
Falando nisso, a Mirabal está começando agora a campanha de Natal, com a distribuição das cartinhas da criançada para o Papai Noel. Para adotar uma cartinha é só ligar para (51) 3407-6032.
No domingo 26, mesmo com todo o calor, duas ex-abrigadas, C. e T., visitavam a casa com seus filhos. C. é sobrevivente de uma tentativa de feminicídio que deixou uma grave sequela em sua perna esquerda. Ao sair do hospital, ficou abrigada na Mirabal por oito meses, parte deles na cama, auxiliada dia e noite pelas voluntárias e por outras acolhidas.
Hoje, com a vida refeita, volta e meia aparece para visitar as amigas. Diz ela que os filhos, se pudessem, passariam o dia inteiro ali, brincando com as outras crianças e jogando videogame. A casa pode não ter a melhor das estruturas, mas parece ter cumprido muito bem sua tarefa.
T., a outra visitante, ficou abrigada na Mirabal por dois meses. Abandonou uma história de violência levando junto os filhos, juntou os cacos — sem nunca perder o emprego, ela conta, com orgulho —, casou de novo e hoje vive em sua própria casa. Assim como as crianças da C., também as da T. corriam de um lado para o outro, à vontade no lugar que já lhes serviu de moradia.
Ninguém sabe o que vai acontecer agora, quando se dará a reintegração de posse e para onde irão as mulheres atualmente acolhidas se a prefeitura despejar a Mirabal. Talvez ainda se possa encontrar outra solução para o caso. Do contrário, em breve a escola ficará novamente abandonada, assim como até hoje permanece vazio o prédio da ocupação dos Lanceiros Negros, no centro de Porto Alegre. Difícil esquecer da operação do Estado que desalojou à força 70 famílias em uma das noites mais frias de junho de 2017.
Isso se não surgir uma farmácia ou um supermercado lá.