Não me refiro àquelas quase impossíveis de se recuperar, por exemplo, a dignidade. Nem as que se perde porque é da vida perder, tipo a virgindade. Meu assunto são as coisas perdidas que ninguém consegue explicar por que se perderam. O pé solitário de meia talvez seja a mais dramática delas.
Onde vão parar os pés de meia perdidos? É um caso insolúvel e que permanece insolúvel mesmo após uma investigação digna da Polícia Civil. Eles não estão dentro da máquina de lavar, nem da máquina de secar. Eles não ficam enrolados no bololô das cobertas de cama. Eles não aparecem atrás do sofá, entre as almofadas da poltrona, no fundo de uma gaveta. Todos na casa juram que um pé estava junto do outro, na última vez em que foram vistos. E, no entanto, por mais que se procure, o pé solitário nunca aparece.
A Puket, marca de meias, está recebendo os pés avulsos que sobraram para fazer cobertores e distribuir para pessoas em situação de rua. É uma ótima ideia e imagino que já tenham arrecadado toneladas. Pena que não juntei todos os pés que me restaram desacompanhados ao longo da vida.
Outra coisa que some: qualquer tipo de presilha de cabelo. Qualquer uma. Elástico, fita, tic tac da Hello Kitty, tiara, grampo. Os grampos, particularmente, se perdem como que por bruxaria. Não adianta procurar, eles só aparecerão muito tempo depois, com as hastes meio tortas e sem a bolinha que não deixa a extremidade abrir um sulco sangrento na cabeça da usuária. Perda total, portanto.
Pode esquecer o método de pular para São Longuinho, que o santo deve estar ocupado com missões mais importantes que um grampinho de cabelo.
Botão também desaparece com uma certa frequência. A gente perde na rua e jamais acha os que vieram de reserva na etiqueta do casaco.
Clipes, sempre guardados dentro do cinzeiro em casa de não-fumante, nunca estão dentro do cinzeiro quando são necessários.
Termômetro: não sei se acontece em todas as casas, mas na minha existe um sumidouro deles. A cada suspeita de febre é preciso chamar uma tele de termômetro.
Os números do homem que conserta o gás, do homem que desentope a pia, do homem que poda as árvores, do homem que pinta a parede: perdidos. E quando se encontra o número, quem tomou Doril foi o homem.
Livros emprestados, isso todo mundo sabe, estarão perdidos para sempre e sem que a gente consiga lembrar para quem emprestou.
Nem vou falar em dinheiro porque esse some sem maiores explicações e sem que se saiba onde foi parar. Se ainda ontem eu peguei cem pilas, jura que já acabou em uma passadinha no supermercado?
Uma perda que acomete certo tipo de colunista – eu – é a de assunto. Sobre isso, fulano já falou, e muito bem. Sobre aquilo, beltrana já deu aula. Para não perder a hora da entrega, sempre esgoelada, certo tipo de colunista então procura um assunto dos mais triviais. E reza para não perder os leitores.
Tomara que alguém se encontre nessas mal traçadas.
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Um show que eu não perderia: os paulistas Kiko Dinucci e Douglas Germano com seu samba cheio de classe no dia 28, pela primeira vez no Bar Ocidente. Ingressos solidários pela Sympla com preço reduzido levando um alimento ou agasalho. Nos achamos lá?