Vinícius Junior, que no Brasil era chamado de Vini Malvadeza pelo estrago que fazia nas defesas alheias, parou de usar esse apelido no Exterior para não ter alguma conotação negativa associada ao seu nome. O problema é que o preto retinto que ele é continuou a fazer mal – dentro de campo – aos adversários. E isso o branco espanhol, pelo jeito, não perdoou.
Vini Jr., 22 anos. Imagine o seu filho de 22 anos sendo ofendido por um estádio inteiro. Foi o que eu disse para um conhecido, que relativizou. “Ah, jogador de futebol está acostumado a ser xingado, sem falar que eles ganham milhões, o dinheiro compensa. Amanhã ele já esqueceu”. Será que o filho dele esqueceria?
Tem o ditado alemão que a gente volta e meia repete: se 10 pessoas estão numa mesa, um nazista senta e ninguém se levanta, então existem 11 nazistas na mesa. Se milhares de pessoas gritam ofensas racistas e ninguém reage, então todos são racistas.
O ex-árbitro Márcio Chagas, que sofreu um dos ataques mais revoltantes de racismo ao apitar um jogo na serra gaúcha, ele que foi agredido e teve o carro estragado dentro do estádio, ouviu do advogado do clube: “Chamar os negros de macacos não é ofensivo, eles nem dão bola, mas se deparar com o carro com as portas amassadas a pontapés, isso, sim, é doloroso para um homem, conforme a propaganda dos postos Ipiranga, pois brasileiro é apaixonado por carros”.
Parece stand-up daquele tal de Léo Lins, mas foi o que aconteceu no Tribunal de Justiça Desportiva do Rio Grande do Sul. Sobre a pena aplicada, essa, sim, foi risível.
Desde 2019 a FIFA lançou um código disciplinar de combate ao racismo que transfere para o árbitro a responsabilidade sobre os casos ocorridos na partida. Márcio Chagas observa que não existe sequer um árbitro negro apitando nas competições da Europa e pergunta: qual árbitro branco vai comprar essa luta?
O que apitou a partida entre Valencia e Real Madrid, com certeza, não. Tanto que nem relatou as agressões a Vini Jr. na súmula. Quando o episódio ganhou o mundo, o sujeito viu-se obrigado a rabiscar um PS. Só faltou escrever: é verdade esse “bilete”. Do VAR que expulsou o jogador também é melhor não se esperar muito.
Anielle Franco, a Ministra da Igualdade Racial, foi a público defender Vini Jr. O Itamaraty convocou a embaixadora da Espanha. Já o embaixador brasileiro em Madrid está em contato com a La Liga e com autoridades espanholas. Isso para a defesa justificadíssima de um cidadão brasileiro. Mas para os milhões que sofrem com o racismo todos os dias, há um gigantesco trabalho a fazer. Aliás, viu qual a principal característica para as polícias gaúchas abordarem alguém, segundo pesquisa que saiu nessa semana? Ser negro.
Vini Jr. publicou em suas redes um desabafo sobre o que vem passando. Se você ler e não ficar abalado, desculpe a sinceridade. Você é racista.
“A cada rodada fora de casa, uma surpresa desagradável. E foram muitas nessa temporada. Desejos de morte, boneco enforcado, muitos gritos criminosos. Tudo registrado. Mas o discurso sempre cai em “casos isolados”, “foi apenas um torcedor”.
Não, não são casos isolados. São episódios contínuos espalhados por várias cidades da Espanha (e até em um programa de televisão). (...) Agora eu pergunto: quantos desses racistas tiveram nomes e fotos expostos em sites? Eu respondo pra facilitar: zero. Nenhum pra contar uma história triste ou pedir aquelas falsas desculpas públicas. O que falta para criminalizarem essas pessoas? E punirem esportivamente os clubes? Por que os patrocinadores não cobram a La Liga? As televisões não se incomodam de transmitir essa barbárie a cada fim de semana? O problema é gravíssimo e comunicados não funcionam mais. Me culpar para justificar atos criminosos também não. No es fútbol, es inhumano”. Não é futebol. É crime.