Enquanto os tiozões batem continência na frente dos quartéis, inconformados com a democracia, uma música entra pela janela e lá vou eu para dias de mais ingenuidade e delicadeza.
I want some red roses for a blue lady/ Mr Florist take my order, please.
(Eu quero algumas rosas vermelhas para uma dama triste. Senhor florista, pegue meu pedido, por favor.)
Minha mãe cantava direto essa música, que agora algum vizinho ouve em sua vitrola – espero que seja uma vitrola tocando um LP, e da época. Quem ouviria Red Roses For a Blue Lady em CD? Muita gente, óbvio, mas prefiro manter o romatismo da primeira ideia. Red Roses For a Blue Lady na voz de Paul Anka.
Minha mãe nasceu em 1940, tempo em que a língua inglesa não era tão popular entre as famílias de classe média. Sem querer generalizar, o inglês era quase como o grego, para citar uma língua que até hoje é usada para definir algo incompreensível. Isso, para mim, é grego, a gente fala quando não entende patavinas de matemática.
Se o inglês não era tão popular, o mesmo não se podia dizer do francês. As moças aprendiam o francês na escola e o falavam com graça e elegância, o biquinho perfeito. Também aprendiam latim, ao menos no Clássico, o ensino médio de então que minha mãe cursou. Muitas vezes ela interrompia nossas brigas com uma sentença, corvus oculum corvi non eruit, corvo não come olho de corvo, mas os filhos não entendiam e continuavam brigando. Hoje me parece um tanto dramático dizer isso para crianças de seis, sete anos.
Voltando a Red Roses For a Blue Lady. Porque o inglês definitivamente não fazia parte de seu show, minha mãe pronunciava as palavras da letra do jeito como eram escritas, e ainda acrescentando um charmoso sotaquezinho gaúcho a elas. Agora menos, mas em gerações passadas o “r” costumava vir não apenas multiplicado, mas vibrando. Tente falar “arrrrrrroz”não de um jeito rrrrrrascante, mas com a ponta da língua enroladinha. Mais ou menos isso.
La la la la/ Rrrrrrrroses for a blu/ Ládi.
Minha primeira infância inteira foi ao som desse único verso, cantado a plenos pulmões enquanto a mãe cozinhava ou fazia alguma outra tarefa doméstica chata das quais não podia fugir. Porque ela cantava ládi, com bastante ênfase no lááááááádi, demorei muitos anos para descobrir que uma atriz da época não se chamava Ládi Francisco, nem a cachorrinha de A Dama e o Vagabundo era a Ládi. Pensando bem, talvez eu ainda vá ter uma viralata chamada Ládi. Me traz boas lembranças.
I want some red roses for a blue lady/ We had a silly quarrel the other day/ I hope these pretty flowers take the blues away.
(Eu quero algumas rosas vermelhas para uma dama triste. Nós tivemos uma briga boba, outro dia. Eu espero que essas lindas flores levem a tristeza embora.)
A música que vem do vizinho vai chegando ao fim. Já o alarido dos tiozões na frente dos quartéis sobe o tom, sério que ninguém precisa trabalhar em uma segunda-feira?
Fecho a janela, procuro no YouTube uma gravação de Dean Martin – também poderia ser de Paul Anka, que segue na ativa e atualmente em turnê pelos Estados Unidos, e abafo a papagaiada da rua com poesia. Da porta para dentro, só a esperança de dias mais delicados por aqui.
La la la la/ Rrrrrrrroses for a blu/ Ládi.