Entre todos os acontecimentos que podem mudar a vida da gente, tem um que é terremoto, cataclisma, viração. Faz a pessoa repensar o rumo e mudar prioridades, achar tempo onde não tinha e ceder uma parte considerável da cabeça para outrem morar, não por um favor ou dever, mas por uma inexplicável vontade de nunca mais sossegar.
O nome é filho, filha – quantos forem. Desde que desejados, bem entendido. Que venham na hora certa, na idade certa. Que não sejam fardo, mas escolha, porque de imposição já bastam as compulsórias, que não são poucas. Difícil lidar com uma obrigação que faz cocô na fralda várias vezes por dia.
O filho, a filha. Para falar a verdade, sempre achei que eu não teria um, uma. Eram muitos planos, viagens, best-sellers (hahahahaha), descobertas que mudariam o planeta (hahahahaha parte 2), enfim, eu estaria ocupada demais pelos meus próximos 80 anos. Tenho amigas que ignoraram solenemente os apelos da natureza, nem aí para a possibilidade de um ninho cheio de pintinhos, como as meninas cresciam ouvindo que era o destino de todas.
Eu estava disposta a ignorar também, juro. Só que, na flor da vida loka, pensei que os best-sellers (hahahahaha) e as descobertas que mudariam o planeta (hahahahaha parte 2) poderiam esperar um pouco mais. Se é que existe o tal relógio biológico, os ponteiros do meu determinaram: é agora.
Foi assim que me vi com uma pequena criatura no colo. Grudada no peito com gengivas mais poderosas que os caninos de um Hannibal Cannibal.
Com uma goela inversamente proporcional ao seu tamanhico. E um jeito de olhar que nunca vi em nenhum outro ser vivo, aí incluídos os peixes. Era isso, ele parecia um peixinho com amor nos olhos.
Eu poderia passar a vida mirando aqueles olhos de peixe vivíssimo.
O resto da história é história.
De bebê ele virou menino e logo estava maior que eu, o que não chega a ser um grande feito, dada a minha estatura. A gente sabe que as mães perdem o senso crítico com suas crias, qualquer filhote é o mais bonito, o mais isso e o mais aquilo, então não vou gastar espaço elogiando o meu. Digo apenas que, além de sempre ter sido o mais isso e o mais aquilo, foi a companhia mais supimpa que arrumei na vida.
Uma amiga certa vez disse que dava para ver que ele e eu tínhamos prazer na companhia um do outro. Ouvir isso quando o seu filho já é adolescente é uma alegria comparável a escrever um best-seller ou fazer uma descoberta que mude o planeta.
Não sei se foi porque estava na barriga em setembro de 1992, pedindo o impeachment do Collor, e também porque acompanhou o Senado instaurando o processo, em 1º de outubro de 1992, mas ele nasceu com as mesmas tendências da família. Coisas básicas do tipo prezar a democracia, com o que nem todos concordam nesse Brasil de 2022.
Isso significa que nunca racharemos por política, o que não deixa de ser uma benção nesses tempos de parentes em guerra por conta de ideais diferentes.
Também não brigaremos por futebol, os dois gremistas. Ele, filho de pai colorado, foi deixado ao Deus-dará para se bandear para um lado ou outro. Tinha três anos quando pediu uma camiseta tricolor. Fazer o que quando o DNA grita?
Louvações a filho trazem junto algo de narcisístico, mas hoje o meu é um baita fotógrafo e agora mesmo está filmando seu primeiro longa-metragem. Parece que essa história deu um pulo, mas a verdade é que se passaram 30 anos desde as primeiras linhas da coluna e esta aqui. Trinta anos neste 15 de outubro. E se alguém me perguntar se eu trocaria isso tudo por um best-seller ou uma descoberta que mudasse o planeta, a resposta é: trocaria, claro.
Mas só com o filho junto.
Felizes 30, Theo.