Se tem coisa que o cidadão de bem faz com talento é xingar. Meu Jesus Cristinho, mas que boca bem suja o homem que defende a família, a pátria, a liberdade (dele) e a religião, não necessariamente nessa ordem, tem. O que aprendi de xingamentos exóticos desde que virei colunista daria material para um livro. E dos grossos, desses que param em pé sozinhos.
Não é só comigo que acontece, claro. Esses dias, trocando uma mensagem sobre outro assunto com a vizinha de revista Martha Medeiros, ouvi dela que a xingação tem sido grande, nesses tempos de grosseria normalizada. Basta uma opinião desagradar que a resposta vem em forma de %@?&*%$.
Mariliz Pereira Jorge, colunista da Folha de São Paulo, acaba tendo contato com o que de mais baixo existe no vocabulário como resposta a seus textos primorosos. Nada diferente do que deve acontecer com a Julia Dantas, com a Rosane de Oliveira, com as colegas de jornal e de profissão.
É preciso reconhecer: o cidadão de bem tem um prazer quase orgástico de dirigir seus xingamentos para as mulheres. Talvez imaginando que a gente devesse falar sobre bichinhos de pelúcia ou outro assunto fofo, enquanto lá fora a coisa pega fogo. Nada que surpreenda, é só machismo mesmo.
Xingamentos começando em três, dois, um.
Trabalhando atualmente em uma minissérie que pede uma linguagem popular na boca de seus personagens, e precisando de xingamentos variados para os diálogos entre eles, uso em minha bibliografia o Dicionário do Palavrão e Termos Afins, do folclorista pernambucano Mário Souto Maior, publicado pela primeira vez em 1979. Pela época, dá para imaginar a censura que o professor sofreu. Só para dar uma ideia do peso do trabalho, Jorge Amado escreveu a orelha e Gilberto Freyre, o prefácio.
Na apresentação do dicionário, Souto Maior diz: “Os gramáticos fazem as leis que governam as palavras. A verdade é que o povo quase nunca respeita os gramáticos, considerados pessoas muito secas, sem imaginação, e que ao escreverem a gente tem a impressão de estar diante de porta-vozes do Saara. Falar castiçamente uma língua é horrível; é assim como ir à praia de fraque, cartola e calçado.”
Nas idas e vindas da língua, as palavras inventadas pelo povo dão colorido à formalidade. E o palavrão entra aí, com o seu sentido (original) de graça e desafogo.
Agora vai explicar isso para o boca suja que não se agrada de uma coluna. O xingamento dele é sempre um descarrego de bile, merecedor de um diploma na Faculdade Olavo de Carvalho. É xingamento com a violência de um tiro, o que não causa lá muita estranheza. A pauta do armamento, sabe como é.
Conselho de amiga: calma, meu bom cidadão, desse jeito, periga até enfartar. Relaxa, respira. Não gosta de uma colunista, é fácil: basta não ler. E se quiser ler só para ficar irritado, um gosto que eu, pessoalmente, não tenho, então lê e xinga. Liberdade acima de tudo, não é isso? Só toma um pouquinho de cuidado com o português. Se o teu problema é com a cronista, por que ofender língua desse jeito?
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E sobre beleza e delicadeza, a atriz Claudia Abreu vai estar em Porto Alegre neste final de semana com um espetáculo lindo: Virginia, o primeiro monólogo e o primeiro texto dela para teatro. Sozinha no palco, Claudia faz o público mergulhar na cabeça de Virginia Woolf, trazendo passagens inspiradoras e trágicas da vida e da obra da grande escritora inglesa. O texto Virginia – Um Inventário Íntimo também foi lançado em livro pela editora Nós. Dias 8 e 9 no Theatro São Pedro. Não perde.