O colunista semanal é aquele que, quase como regra, deve encontrar um tema atemporal, que resista à passagem dos dias e dos acontecimentos para não chegar à data de sua publicação com uma coluna demodê. O diabo é que alguns casos ficam na cabeça e, quando a gente vê, já estão na ponta dos dedos, virando texto. Isso embora tudo de mais interessante e inteligente já tenha sido dito sobre o assunto.
Sim, me refiro à senhora das marmitas. A que pararia de receber comida por votar em um candidato diferente daquele do rotundo empresário que, até então, fazia a — digamos — caridade. História que deve acontecer seguido com as pessoas mais humildes, essa da troca de voto por alguma coisa, trabalho, um canto, remédio, comida. Direitos que deveriam ser de todos, independentemente de qualquer condição.
De tudo o que li e ouvi sobre esse triste caso, o que mais me tocou foi dito por Reinaldo Azevedo, jornalista que não se identifica com a esquerda e, muito menos, com a barbárie. Pausa para dizer que, junto com Pantanal, o programa do Reinaldo, que acompanho no YouTube, é meu segundo vício. Bem, tenho outros, mas esses dois são diários.
Reinaldo citou a filósofa alemã de origem judia Hannah Arendt, cuja foto está na estante lotada de livros que fica às costas dele, no escritório onde o programa é gravado. Estante mesmo, não o tapume fake que serve de cenário para alguns.
É de Arendt o conceito de “banalidade do mal” que, muito superficialmente, designa a multidão que apenas segue a onda, sem fazer grandes julgamentos morais.
Mais ou menos o que a sábia filosofia popular brasileira conceituou como “gado”.
Essa falta de julgamento moral significa que, na vida real, o mal não é propriedade de supervilões ou de psicopatas do crime, como se vê na ficção. O sujeito que é um bom pai, um marido carinhoso, um filho respeitoso, um tio engraçado, pode ser mau na forma como trata quem não faz parte de suas relações mais próximas. O porteiro do prédio, o garçom, a moça da limpeza, a senhora que precisa de uma marmita.
Talvez o empresário que fez aquela presepada seja um sujeito bonachão, até bom em suas relações mais próximas. Talvez seja um ser humano lamentável apenas com quem não conhece. O que faz dele um ser humano lamentável em todos os aspectos, na minha modesta opinião.
Ah: embora empresário, o sujeito embolsou o auxílio emergencial até novembro do ano passado. E não demorou a gravar um novo vídeo se dizendo arrependido por ter gravado o primeiro vídeo — não por seu ato deplorável.
Sobre a mulher, que mora com três filhos e os cachorros que resgata em uma peça que ergueu com as próprias mãos, que lição de dignidade deu ao bem-alimentado ser que a humilhou. Disse que não pensa em processá-lo, o sujeito já está pagando com a exposição e as consequências de sua atitude.
E pensar que foi ele mesmo quem postou o malfadado vídeo que virou sua vida de cabeça para baixo. Como diz Hannah Arendt, há quem apenas faça, sem grandes preocupações com o que é certo ou errado, com o que é ou não moral.
A falta de empatia e compaixão de uns e outros está aí para comprovar.