O Oscar 2022 já ficou no passado, em breve o filme que ganhou não será lembrado, e com justiça. Deixando claro que é apenas a opinião dessa humilde coluna, eita filminho bom para passar na companhia enquanto a gente faz alguma tarefa doméstica chata. Pronto, acabei com a Família Bélier versão Biden. O que não vai ficar no passado é o episódio do tapa, até porque tudo indica que Will Smith será punido.
Não vai perder o Oscar de Melhor Ator, mas pode perder o direito de comparecer às próximas cerimônias de premiação, algo nessa linha. Só para a hipótese de alguém estar voltando de um retiro no Nepal profundo e não saber do que se trata: o comediante sem graça Chris Rock fez uma piada infeliz com os cabelos raspados – por doença – da Jada Smith, e tomou uma lapada do Will, marido dela.
A partir daí, o fato mobilizou as redes sociais e vimos diferentes torcidas se manifestarem. Vamos a algumas. Mulheres – brancas, em sua maioria – consideraram um absurdo a Jada ser socorrida por um macho, ainda que um de sua mais radical convivência e confiança. A informação “brancas” é importante, embora algumas tenham considerado a cor da pele irrelevante no caso.
Arrã.
Pacifistas consideraram um absurdo o Will resolver a questão na base da bolacha. Homens ditos não-misóginos defenderam o direito da Jada de não ser defendida por um homem. Ela que fosse ao palco e desse na cara do inconveniente com a cauda de cinco metros de seu vestido Jean Paul Gaultier.
E houve quem apoiasse a atitude do Will, entre os quais me incluo. Sendo uma mulher branca que já saiu no tapa para defender a mãe na infância e já comprou briga por ofensas aos irmãos, recolho-me à minha insignificância e trago aqui as opiniões de três das mais respeitadas filósofas negras e brasileiras da atualidade.
De Rosane Borges: “Sabemos que Jada, naquele momento, não precisava de um salvador ou protetor, mas de alguém que pudesse dizer: a história é dela, mas a defesa é coletiva, independentemente dos marcadores de gênero. Se não fosse Smith, quem seria?”
De Carla Akotirene: “Aplaudo Will Smith, porque o gênero construiu a masculinidade a partir da violência. Os homens são socializados para darem murro, as músicas fazem menção a bater, a botar com força. Então, nessa emoção de ver sua companheira sendo humilhada, nada mais coerente do que um homem enquadrar o outro, como quem enquadra a sociedade.”
De Djamila Ribeiro: “Na grande maioria das vezes, mulheres negras lidam sozinhas com ataques porque as pessoas, partindo de uma visão racista e sexista, dizem que elas aguentam, não enxergam humanidade nelas”.
Comediantes estão vendo no tapa que o Chris Rock levou uma afronta à liberdade de expressão. Na minha – sempre acho de bom gosto frisar – desimportante opinião, essa liberdade de expressão que debocha do mais fraco, que ridiculariza o indefeso, em nada difere da liberdade de expressão defendida pelo presidente, a que ameaça e incita a violência contra quem pensa diferente.
E para terminar em grande estilo, a reflexão final da Djamila: “Antes de atacar Will Smith, se pergunte: quantos livros de mulheres negras vocês leram ou divulgam? Quantos projetos de mulheres negras vocês apoiam? Quantas vezes vocês apoiaram mulheres negras que eram desrespeitadas e atacadas? Agiram ou se somaram ao ataque? Escolheram o silêncio e a omissão?”
E olha que eu nem sou fã do Will Smith. Quer dizer: não era.