Ela era fã de um ex-jogador da dupla que, terminado o contrato, foi para o Palmeiras. Fique claro: era fã não só do talento futebolístico do atleta, também da forma, dos músculos, do estilo, do sujeito como um todo. Até salvava uma que outra foto dele para ficar olhando em momentos de tédio, assim como um dia recortou fotos do Peter Frampton e do Sean Penn para usar como marcador de livros. Ingenuidades de fã. Mais ou menos na mesma época, ela mesma foi transferida, a trabalho, para São Paulo. O marido não a acompanhou, funcionário estadual que era, e também havia o filho, que não queria sequer discutir a hipótese de uma troca de cidade aos 14 anos.
Instaurou-se o vai e vem de avião, por sorte antes das passagens custarem o que custam hoje. De qualquer jeito, o cartão de crédito era todo das companhias aéreas, bons tempos dos preços razoáveis em 12 vezes sem juros. Bem verdade que uns e outros detestavam a ideia de ver pessoas com menor poder aquisitivo nos aeroportos, incômodo que, por qualquer que seja o ângulo, não fazia o menor sentido. Seja como for, as pessoas de menor poder aquisitivo atualmente mal comem, que dirá viajar. Os beneficiados com isso? Deixa para outra coluna.
O casamento dos nossos protagonistas seguiu firme, até melhor sem a rotina, essa destruidora de ideais românticos. O tal jogador do início da história fazia sucesso no Palmeiras sem sequer desconfiar da existência da fã – que agora morava em um pequeno apartamento na Barra Funda, a poucas quadras do Allianz Parque. Um dia ela não resistiu a uma foto do jogador sem camisa no jornal, recortou e colou no espelho do quarto. O marido acharia até engraçado e, olhando pelo lado positivo, podia servir de estímulo para ele trabalhar os peitorais.
Esperando a visita da família para um fim de semana esticado, ela tratou de arrumar bem a casa, com flores para enfeitar e essência de shopping center, aquela que remete a compras caras que ela não fazia. Buscou a roupa na lavanderia e arrumou as peças nas pilhas do marido e do filho, todas no mesmo guarda-roupa do quarto. Eram quase 10 da noite de sexta quando os dois chegaram. Depois de jantar, foram dormir para aproveitar o feriadão que se anunciava em toda a sua magnitude.
Antes do café da manhã, o marido surgiu com um calção verde na mão.
Ele: De quem é isso?
Ela: Não é teu?
Ele: Eu sou colorado. Esse calção é do Palmeiras.
Ela: Que Palmeiras?
Ele: O time do teu jogador.
Ela: Eu não sei de calção do Palmeiras nenhum, deve ter vindo por engano da lavanderia.
Ele: Engano é achar que eu vou acreditar nisso.
O fim de semana fracassou. Muita DR depois, o marido se convenceu de que ela jamais tinha encontrado o tal jogador – infelizmente, advérbio de modo que não foi usado para não piorar ainda mais a situação. A única explicação, por mais mentirosa que pudesse parecer, era o calção ter vindo da lavanderia. Ninguém tinha entrado no apartamento, muito menos o tal jogador.
(Infelizmente.)
Na última vez que ela foi a Porto Alegre, encontrou no cesto da roupa suja uma calçola já com o elástico meio frouxo, largona e desbotada, que o filho jurou desconhecer e o marido quis teimar que era dela. Não era. Única explicação plausível: o calçolão devia ser de alguma vizinha e entrou pela janela, em um desses fins de tarde de temporal porto-alegrense.
Nos casamentos em que existe confiança, tudo fica mais fácil.
Felizmente.
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Carlos Gerbase, Replicante, professor, roteirista e diretor de cinema, acaba de lançar seu sexto livro de ficção. No romance O Caderno dos Sonhos de Hugo Drummond, um jovem cineasta do interior do Rio Grande do Sul vem a Porto Alegre para um evento de produtores e acaba envolvido por fatos e personagens que mais parecem saídos de filmes. Não se sabe se Gerbase pretende levar o livro para a tela, mas que o leitor já imagina a história no cinema, imagina. Da Diadorim Editora, nas boas livrarias reais e virtuais.