No apagar das luzes, o senhor da portaria contava seu drama para quem quisesse ouvir:
— Tive covid fortíssima, é um milagre eu estar aqui. Vinte e cinco dias em coma. Quase fiz a passagem.
Triste – mas só até o gran finale:
— É por isso que eu sou contra a vacina. Não dá para saber o que elas vão fazer com a gente.
O sujeito teve covid, quase morreu e, mesmo assim, é contra a vacina. É o tipo de afirmação que dá uma ideia do que foi 2021: ao mesmo tempo em que a vacinação avançava, e estancava o morticínio a que fomos submetidos antes dela, uns e outros trabalhavam contra a imunização.
O que se passa nessas cabeças é um dos grandes mistérios de hoje. E lá vêm eles de novo, querendo receita médica para a vacinação das crianças. A ideia é dificultar e até impedir a criançada de se vacinar, o que já valeu ao ministro da Saúde o impagável apelido de Queirodes, o Herodes dos nossos dias.
Foi um ano de fome também. Como disse um amigo, reclamar da uva-passa e da maçã na salada de batata nos cardápios de fim de ano já não tem graça, com milhões sem comida. Também para se fazer piada é preciso critério.
Na política, a gloriosa ressurreição do Centrão – como se ele alguma vez tivesse morrido. E todas as consequências de uma economia que afunda: recessão, inflação, desemprego, o fracasso de todos os programas sociais.
Se não fosse a vacinação, 2021 seria mais um ano para se riscar da folhinha da vida.
Melhor programa de TV: a CPI da covid. Tanto quanto a terceira temporada de Succession, queria que não acabasse nunca e que continuasse botando no ventilador as causas da maior tragédia sanitária brasileira. Será mais uma temporada em que os vilões ficarão impunes? Tudo indica que sim.
Programa de TV que deveria ser proibido para maiores: Verdades Secretas II, um chute na autoestima do espectador adulto, que – salvo honrosas exceções – não dança sensualmente antes de transar, não se veste com lingeries provocantes para andar na rua, não tem os tórax do elenco masculino, nem as bundas da Giovanna e do Visky. Melhor encarar como uma série de ficção científica e aceitar que o mundo real não é daquele jeito.
Livros: todos, porque sem eles teria sido bem mais difícil atravessar essa fase obscura que infelizmente vivemos. Três para encerrar o ano: Lili – Novela de um Luto, de Noemi Jaffe, Visão Noturna, de Tobias Carvalho, e Morte Sul Peste Oeste, de André Timm.
Que 2022 volte a valorizar a educação, a ciência, a inteligência. Que chegue ao fim esse período trevoso de enxovalhamento da arte, do cinema, do teatro. Que o Brasil volte a ser o Brasil, e não essa caricatura fundamentalista que virou
CLAUDIA TAJES
O dress code: máscara. Máscara sempre, combinando ou não com a roupa. Máscara principalmente nos ambientes fechados, porque a variante ômicron está batendo na porta e ninguém aqui é bobo de contribuir com mais um agravamento da pandemia.
Uma esperança, ou melhor, muitas: que 2022 volte a valorizar a educação, a ciência, a inteligência. Que chegue ao fim esse período trevoso de enxovalhamento da arte, do cinema, do teatro. Que o Brasil volte a ser o Brasil, e não essa caricatura fundamentalista que virou.
Tudo isso com a terceira dose no braço de todo mundo, e com a criançada protegida também. É esse 2022 que a coluna deseja às queridas leitoras e aos queridos leitores.