Era um domingo como todos os domingos de quem fica em casa, aquela mistura de inveja – vendo uma multidão a aproveitar o dia maravilhoso – e medo, sempre ele. A multidão que vai ao sol está tranquilíssima, mas quem se preocupa com o recolhimento responsável fica um tanto inquieto, para dizer o mínimo. E se os casos de covid crescem de novo, com tanta gente sem máscara e pegando seu bronze por aí?
Chega a ser injusto ter o Guaíba enfeitando a cidade e um pôr do sol de luxo como o nosso enquanto a bendita vacina não chegar. A tal vida vista da janela, um clássico desses dias.
Pois era mais um domingo e tudo indicava que o máximo de emoção seria um filme no streaming antes de dormir. Deus salve o streaming. Se só me sobrasse o Faustão para ver, o isolamento perderia mais uma alma. Eu iria correndo para a rua, e gritando. Foi quando recebi uma mensagem da Kelly Matos, que embora esteja sempre no ar na Rádio Gaúcha, ainda encontra tempo para alegrar as pessoas. Basta ver a dedicação dela com as crianças de várias instituições da cidade.
A Kelly mandou a foto de uma folha de caderno com uma anotação, escrita à mão, sobre um livro meu, o Macha. “Comecei a ler 1º de outubro 2020 e terminei 6 de outubro 2020”. Logo abaixo da foto, a Kelly explicou que o resumo tinha sido feito por uma senhora, mãe de um amigo dela, que largou o colégio cedo e que, nessa quarentena, começou a ler.
Orgulhosamente, essa senhora está empilhando leituras. E eu fui saber mais sobre ela.
Maria Mengue Boff, de 76 anos, nasceu pelas mãos de uma parteira no interior de Três Cachoeiras. Parou de estudar aos 15 anos para ajudar a família, casou antes dos 20. Teve quatro filhos e ficou viúva muito cedo, o marido morreu de câncer. Trabalhava com pesticidas, esses que atualmente são liberados em grande variedade e quantidade, sem burocracia e sem preocupações com a saúde alheia.
Fato é que a dona Maria criou os quatro filhos sozinha, dando duro na roça. Vinte anos mais tarde, reencontrou um amigo da adolescência e os dois se apaixonaram. Quando ela tinha 43 anos, nasceu o amigo da Kelly. Que vem a ser o Tiago Boff, repórter do programa do Macedo, que sempre descobre alguma humanidade para contar ao microfone. Esperança de um dia um pouco menos pesado para os ouvintes.
Moradora de Gravataí, a dona Vera levava sempre um livro na bolsa para ler no ônibus. Não por acaso, é uma mulher maravilhosa. Assim como a Maria
A dona Maria, que nunca teve o hábito de ler, descobriu os livros nessa quarentena. E anota, com cuidado, cada título. Primeiro livro: A Culpa É das Estrelas. Segundo livro: No Colo dos Anjos. Terceiro livro: A Tristeza Pode Esperar. Quarto livro: Querido Edward. Quinto livro: Lenços da Esperança. Sexto livro: Macha. Sétimo livro: Minha Adorável Esposa.
A dona Maria me lembrou da dona Vera, senhora que trabalhava uma vez por semana aqui em casa. Com a pandemia, faz meses que não nos vemos. Moradora de Gravataí, a dona Vera levava sempre um livro na bolsa para ler no ônibus. Não por acaso, é uma mulher maravilhosa. Assim como a Maria.
A Kelly Matos me disse que a dona Maria é incrível. Para Tiago, o filho, é o melhor exemplo da vida. Mas eu entendi mesmo que ela é uma unanimidade quando a Mariana Ceccon, namorada do Tiago, que a gente também ouve no programa do Macedo (eita, casal que acorda cedo), me disse: a minha sogra é maravilhosa.
A dona Maria garante que, agora que pegou gosto, não vai mais parar de ler. Amigos autores que quiserem enviar seus livros de presente para ela, fiquem à vontade. É só deixar para o Tiago ou a Mariana na portaria da Rádio Gaúcha.
E foi assim que um domingo que não prometia muito terminou feliz.
Que venha o próximo.