Em um momento de polarização acirrado pelas redes sociais, em que cada um está obcecado com sua própria visão de mundo, a escritora Claudia Tajes escolheu imaginar em seu mais novo romance uma experiência radical de alteridade. Macha, livro que ela autografa hoje às 18h30min na Praça da Alfândega, conta a história de Celina, uma mulher que, num aceno declarado da autora a Kafka, certa manhã “acorda de sonhos intranquilos” no corpo de um homem.
Ainda que permaneça com a mesma altura, Celina agora tem pelos no corpo todo, entradas no cabelo, aparência desgastada, bunda reta, barriga proeminente e, o mais surpreendente de tudo, um pênis tão proeminente quanto.
A descoberta da nova condição é apenas o primeiro baque, metafórico. O segundo é físico, quando o filho adolescente agride a mãe pensando tratar-se de um ladrão, apenas a primeira de algumas agressões físicas ou psicológicas à medida que a jornada de Celina se descortina ao longo de uma semana. O ex-marido babaca, a ex-melhor amiga que fez arminha com as mãos na última eleição, os colegas de banco no qual trabalha, todos de algum modo antagonizam a nova Celina – ou Afonso, nome social que ela é aconselhada por sua advogada a assumir – pela transformação que ela não pediu nem foi responsável. Ao contrário, contudo, do que pode se depreender da sinopse, o tom geral não ó de um drama. A denúncia social pretendida pela autora se dá, como é comum em seus livros, pela via do humor. As transformações de Celina são físicas, mas não de personalidade. Internamente, ela ainda olha para o mundo com a mentalidade de uma mulher, perplexa pela agressividade a sua volta.
– A ideia para esse livro nasceu justamente em um dia em que eu estava dando graças a Deus por não ser um homem branco hetero e rico como esses que estamos vendo no poder, e fiquei imaginando como seria acordar num corpo assim – diz a autora.
Embora ainda passeie pelo humor característico de Claudia, Macha tem um tom mais urgente do que outras obras da autora.
O registro episódico das agruras de uma mulher contemporânea, presente em obras como A Vida Sexual da Mulher Feia e Por Isso Eu Sou Vingativa, ainda presente, convive com uma inquietação social que acompanha a confusão de Celina com a incompreensão do mundo a sua volta – o ex-marido primeiramente desacredita, e depois tenta impedir Celina de vir a público com sua história. Os supervisores do banco tentam impedi-la de trabalhar devido à possibilidade de repercussão negativa.
– Um pouco da inspiração do romance também veio de eu pensar na transição pública da Laerte, da sua coragem. A Celina é uma mulher que um dia acorda homem sem querer. Tem aí também uma intenção de se imaginar no lugar de alguém está vivendo em um corpo que não aceita, e em como isso é vivenciado em um mundo em que cada vez mais pessoas parecem querer impedir os outros de viverem suas vidas da forma que desejam, como acontece muito com as pessoas trans, por exemplo.
É dessa tensão entre o humor e a dimensão social que talvez resulte o fato de o livro ser um dos mais curtos e diretos já publicados pela autora.
– Foi um livro que eu fiz meio como reação ao que estamos vivendo. É como se a gente não conseguisse pensar em outra coisa.
É um tempo terrível, mas eu ainda funciono na base do amor.
Destaques do dia na Feira do Livro
15h30: autógrafos de Contos Transantropológicos, com Atena Beauvoir
16h: Lançamento da coletânea de contos da Oficina de Criação Literária Alcy Cheuiche realizada no Instituto Contemporâneo. Com Alcy Cheuiche e Juremir Machado da Silva.
16h30: Médicos prescrevem poesia, Contos e Crônicas. Com Donaldo Schüler, Luís Augusto Fischer, Heitor Hentschel e Rogério Xavier
17h: A palavra essencial: sobre Poesia e Poetas, com Wislawa Szymborska, por Pedro Gonzaga
18h30: Os livros de nossa vida. Com os editores Ivan Pinheiro Machado e Tito Montenegro e mediação de Sergius Gonzaga
18h30: autógrafos Macha, Claudia Tajes
19h30: autógrafos Metralha - Vida & Obra de Nelson Gonçalves, o Rei do Rádio, com Cristiano Bastos
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