Os últimos anos desta década presentearam os leitores gaúchos com quatro escritoras eleitas de forma sequencial como patronas da Feira do Livro de Porto Alegre. O feito é inédito na história do evento, resultado da busca constante pela consolidação da figura feminina em espaços até então dominados por homens – o que é também o caso da literatura.
Demorou para que uma mulher fosse alçada ao comando da Feira do Livro. Maria Dinorah foi a primeira a ocupar o cargo em 1989 – 24 anos após Alcides Maya ser escolhido como o primeiro patrono. Sete anos depois, foi a vez da escritora Lya Luft.
Em 1998, a homenageada foi Patrícia Bins. Um período de 12 anos seguidos com homens no posto foi quebrado em 2011 por Jane Tutikian. E, desde 2016, uma após a outra, as escritoras Cíntia Moscovich, Valesca de Assis, Maria Carpi e, agora, Marô Barbieri tomaram a responsabilidade de conduzir a festa na Praça da Alfândega.
GaúchaZH reuniu as quatro escritoras nesta sexta-feira (1), primeiro dia da 65ª Feira do Livro, para mostrar o significado da presença de mulheres no cargo mais importante de um dos maiores eventos literários da América Latina.
Cíntia Moscovich (2016)
Responsável por estrear a sucessão que entrará para a história, a escritora e colunista de GaúchaZH Cíntia Moscovich, 61 anos, usa um termo bastante literário para cunhar a sequência: “Série Mulher”. Por dentro dos bastidores da Feira, diz que a nomeação das quatro, apesar de ressoar uma manifestação global das mulheres por mais espaço na sociedade, não foi premeditada, e sim um reconhecimento natural por seus dotes criativos e intelectuais:
— Finalmente as mulheres têm lugar assegurado na cena literária. A gente fica muito feliz com isso, porque há horas estamos lutando para sair da cozinha e ficar na sala de estar com os homens.
O que ela espera é que a conquista do patronato alargue o caminho para a chegada de mais mulheres ao ofício da escrita:
— Tem um mundaréu de gente, de gurias e jovens mulheres, que talvez se sintam acanhadas em escrever.
Valesca de Assis (2017)
Patrona da Feira em 2017, Valesca é professora e escritora. Nasceu em Santa Cruz do Sul em 1945. Estreou na literatura em 1990, com A Valsa da Medusa. Harmonia das Esferas, publicação de 2000, rendeu-lhe dois prêmios e uma indicação ao Prêmio Açorianos de Literatura.
Em 2010, lançou seu primeiro título infantojuvenil, Um Dia de Gato. Sobre as mulheres à frente da Feira, observou:
— É mais do que um reconhecimento das mulheres, é um reconhecimento da literatura das mulheres. Ganhamos uma visibilidade depois de uma longa trajetória. Ninguém acreditava que uma mulher pudesse escrever. E, agora, coincidentemente ou não, houve essa sucessão. Isso causaria espanto se fosse na época da Maria Dinorah, primeira mulher eleita patrona da Feira.
Maria Carpi (2018)
Maria Carpi não imaginava que poderia ser patrona da Feira do Livro em 2018. Isso porque, nos anos anteriores, o cargo já havia sido ocupado por Cíntia Moscovich e Valesca de Assis. Não esperava que outra mulher fosse nomeada na sequência. Mas foi, e ela assumiu o posto aos 79 anos, maturidade que simboliza sua trajetória na literatura, já que só publicou Nos Gerais da Dor (1990), seu primeiro livro, aos 51.
Maria surpreendeu-se durante o anúncio do novo patrono, momento em que passaria o bastão para o próximo homenageado. Quando o presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro, Isatir Bottin, entregou-lhe o envelope com o nome do eleito, levou um susto, mas não perdeu a oportunidade de fazer graça diante dos colegas:
— Atenção, homens, vocês vão continuar em jejum — declarou, anunciando sua sucessora, Marô Barbieri.
Marô Barbieri (2019)
Patrona deste ano, Maria Eunice Garrido Barbieri, mais conhecida como Marô, é professora e escritora com trajetória na literatura para crianças e jovens. Nascida em Bento Gonçalves, em 1944, já publicou dezenas de livros desde 1989. Sua obra mais conhecida é Tinoca Minhoca (1991).
— A presença da mulher está cada vez mais significativa e importante na sociedade porque as mulheres fizeram por isso. Exigiram que elas fossem consideradas como força de trabalho. A mulher está em todos os lugares e é capaz de fazer praticamente todas as atividades. A tarefa da mulher escritora é de mediação de leitura, de fazer com que sua família, seus leitores, se aproximem dos livros. Quase todas são mulheres no universo da literatura infantil e juvenil. Temos uma sensibilidade para o ficcional — resumiu.
*Colaborou Karine Dalla Valle