De uns tempos para cá, parei de dar audiência para as notícias caça-cliques que aparecem nas capas dos sites. Fulana troca o marido por uma mulher. Fulano bebe e quebra tudo na festa. Fulaninha mostra demais na foto. A inesgotável capacidade de transformar bobagens em manchetes quase não me pega mais. Mas há casos em que a curiosidade me vence. O último em que caí: homens reclamam das celulites de Scarlett Johansson em fotos de biquíni. Como é?
Homens reclamam das celulites de Scarlett Johansson em fotos de biquíni. Vamos ao clique.
Comentaristas de bunda alheia. Daqui a pouco, isso pode até se transformar em editoria, e abrir vagas em um mercado de trabalho que não para de encolher: Política, Economia, Esporte, Cinema, Viagem, Bunda.
"A atriz Scarlett Johansson, 35 anos, sofreu críticas de homens ao ser fotografada por um paparazzi e ter suas fotos na praia vazadas na internet. Nas imagens, Scarlett exibe uma leve barriguinha e algumas celulites na perna e no bumbum. As imagens sem tratamento no Photoshop logo foram alvo de comentários maldosos. Um usuário do Twitter disse que a atriz está acabada. Outro comentou que ela está sendo destruída pelo feminismo."
Alguns dirão que é mimimi, mas tem cabimento escrever que uma guria está sendo "destruída pelo feminismo"? Isso tem nome, e não adianta dizer que é mimimi: é machismo. E da gema.
Não é a primeira vez que a Scarlett, linda e maravilhosa desde que surgiu, passa por isso. Quando discursou na Marcha das Mulheres, que reuniu 500 mil pessoas em Washington, logo após a eleição de Donald Trump, os internautas - essas criaturas que tudo podem atrás de uma denominação genérica - postaram fotos dela em filmes, sexy e loira em seus papéis, para comparar com a imagem da moça de cabelos curtos e roupas pesadas falando no palanque.
Virou baranga.
Maior pinta de sapatão.
Isso que dá ser feminista.
Os internautas não comentaram o discurso da Scarlett, só a aparência dela. E ainda associando uma suposta decadência física à posição política da atriz. Nada mais previsível nesses dias que alguns chamam de polarizados. Acho que grosseiros e intolerantes definem melhor.
Flagrada na praia, nem aí para a maledicência da internet, entre um mergulho e outro, quem sabe uma cervejinha no isopor, eis que a Scarlett se tornou saco de pancadas novamente. Homens se dando o trabalho de comentar sobre as celulites de uma atriz, compartilhando as imagens, mandando no grupo do WhatsApp. Mas vão carpir um lote. Chupar um carpim. Ler um livro. Lavar uma louça. Vão se catar.
Outra atriz, a Paolla Oliveira, cuja bunda já parou o Brasil em uma clássica cena de minissérie, também acaba de ser linchada por cenas de maiô no último capítulo da novela. Segundo os internautas, sempre eles, a Paolla embagulhou. Engordou. A celulite tomou conta da até tão pouco tempo cobiçada calipígia - na língua culta, a que tem nádegas perfeitas.
Comentaristas de bunda alheia. Daqui a pouco, isso pode até se transformar em editoria, e abrir vagas em um mercado de trabalho que não para de encolher: Política, Economia, Esporte, Cinema, Viagem, Bunda.
Uma experiência pessoal. Não é bem a mesma coisa, mas a inconveniência é parecida. Noite desses, esperava lugar no restaurante ao lado de uma mesa com três mulheres e um homem. Reparei porque elas não paravam de me olhar - as três muito mais jovens do que eu, com os meus 50+. Logo uma estava mostrando fotos minhas, que catou no Google, para os amigos. E comentando, sem se preocupar se eu estava ouvindo ou não: é muito diferente das fotos. O homem, talvez da minha idade, sentenciou: o tempo é implacável. Grande verdade. Só que celulites e rugas não deveriam ser vergonha para ninguém. Bem diferente da falta de educação de tantos.
Scarlett, teu povo te ama.