Dizem os livros que Michelangelo, então com 23 anos, caiu em desgraça com os moralistas de seu tempo por conta de uma suposta sexualização da Pietá, a famosa escultura em que Maria tem nos braços o filho morto. Onde foi que encontraram sexo na dor daquela mãe? Ainda assim, não é de se estranhar. Era 1499, pouco antes do descobrimento do Brasil. O mundo mal começando a sair da Idade Média, suas crenças e sua trevas.
Corta para 519 anos depois do descobrimento do Brasil. Isis Valverde, atriz, posta uma foto amamentando seu bebê. O Instagram enlouquece. Em meio a milhares de elogios, uma horda de internautas desvairados deixa seus comentários.
Há os que afirmam que o peito – encoberto pelo bebê e pela roupa – é uma imagem sexual, portanto, ofensiva para a família.
Outros dizem que queriam estar no lugar do bebê.
Os mais atrevidos descrevem tudo o que fariam, se estivessem no lugar do bebê.
Os futurólogos levantam hipóteses sobre o destino de uma criança sexualizada desde o peito.
Os mais exaltados ofendem a mãe.
E, ainda que pareça mentira, não falta quem ofenda o bebê.
Não é um caso isolado. Apesar do artigo 9 da lei 8.069/90, que assegura à lactante o direito de amamentar em qualquer ambiente público ou privado, mulheres são insultadas por darem o peito para seus filhos. Lojas proíbem a amamentação em suas dependências. Não faz muito, seguranças tiraram do museu uma moça que precisou amamentar. Volta e meia, alguém surge com um paninho para cobrir o peito da mãe – e, por tabela, a cabeça da criança. As justificativas são os mais medievais: é feio, é indecente, provoca os instintos masculinos. Feia e indecente é a cabeça de quem vê provocação no ato de amamentar.
Nessas horas fica evidente que os homens saíram das trevas, mas as trevas continuam dentro dos homens. É só cutucar que elas voltam. E não é com oração que a gente vai sair desse revival da Idade Média. É com educação.
Só ela nos salva.