Andava enxergando mal, mal mesmo. De perto. Nem os preços nas lojas eu via direito. Diante de qualquer etiqueta, pensava: não pode ser. Aí perguntava para alguém (nota da redação: não faz muito, era eu quem conferia o preço para as senhoras nos corredores do supermercado) e o preço era aquele mesmo. Custo de vida maior que vista cansada.
Depois de inúmeros desencontros com o meu oculista querido - doutor Luiz Osvaldo, saudade -, marquei com uma médica que não conhecia, mas cuja agenda combinava com os meus horários. É raro. Em geral, quando preciso de uma consulta, a possibilidade que me oferecem é tão distante que periga a moléstia já ter me levado quando enfim chegar o dia. Já a oftalmologista me atenderia na mesma semana. Naquela noite, sonhei com todas as bulas de remédios e letras miúdas de contrato que voltaria a ler.
Pode parecer que esta coluna fale do atendimento relaxado da médica, mas não. É sobre a falta de sensibilidade da criatura. Uma guria ainda, uma profissional quase em início de carreira, não deveria ter mais curiosidade, mais empatia, mais simpatia, mais humanidade?
A médica, jovem, não quis muito assunto. Pessoa polida a um passo - pequeno - de ser antipática, sabe o tipo? Era a própria. Foi tudo rápido. Eu estava com minhas lentes de contato e ela disse que precisaria de 24 horas de olhos virgens para me examinar. Nada de colocar o queixo naquele aparelho que expõe os segredos do olho, portanto. Mais alguma coisa?
- Então, doutora, minha visão de perto piorou muito nos últimos tempos.
- É assim mesmo, Maria. Mas logo tu terás que operar a catarata e então uma lente vai resolver teu problema. Mais alguma coisa?
Mais nada, passar bem. Jamais imaginei ir à oftalmologista atrás de um óculos de leitura e sair com a recomendação de aguentar firme até operar a catarata. Se eu queria enxergar bem novamente, o jeito era torcer para o meu cristalino ficar opaco o quanto antes.
Bota remédio estranho nisso.
O segundo médico que consultei - agora para saber a quantas andava a minha catarata - não encontrou o menor sinal dela no fundo magoado dos meus olhos. Um óculos de grau 2 para perto resolveu a questão. Pode parecer que esta coluna fale do atendimento relaxado da médica, mas não. É sobre a falta de sensibilidade da criatura. Uma guria ainda, uma profissional quase em início de carreira, não deveria ter mais curiosidade, mais empatia, mais simpatia, mais humanidade? Não precisava se interessar pela minha pessoa, podia não ir com a minha cara, não gostar do meu cheiro, mas não seria o caso de dedicar 10 minutos, que fosse, para entender o mal que me afligia - e, vá lá, justificar o pagamento do convênio, mesmo a gente sabendo que os convênios pagam menos do que os médicos mereceriam receber? Como será que ela trata a avozinha com olhos que já viram de tudo, o menino de cinco anos que já precisa de óculos, a estudante para quem o quadro (ainda existe quadro?) virou um borrão, a mãe que já não enxerga direito as historinhas de ler antes do filho dormir, a atriz que já não decifra se recebeu um drama ou uma comédia para ensaiar, o homem que trabalha com números - e, se trocar o 3 pelo 8, ou o contrário, pode acabar com um sistema inteiro?
Não é uma coluna-denúncia sobre o mau atendimento de uma médica, até pela natureza minúscula do problema, um absoluto nada em comparação com os sofrimentos alheios. É só uma constatação, e das mais óbvias. Visão fora do prumo pode ter cura, mas não conseguir enxergar dentro de um consultório, independente da especialidade, isso é grave, doutora.
Um salve a todos os bons médicos que sabem nos ver.