Não faz muito, todo mundo parecia envelhecido aos quarenta. Ver as fotos dos meus pais com trinta e poucos anos me causa hoje uma mistura de ternura com culpa. Será que eles pareciam tão mais velhos pelo tanto que precisavam trabalhar para sustentar a filharada, pelo tanto que a gente incomodava? O figurino também contribuía para essa impressão. O pai estava sempre com camisa de pai, azul-clarinha, manga curta e caneta no bolso, ou então com suéter (não se falava em blusão, só em suéter), de preferência azul-marinho, nenhuma concessão à moda. A mãe com seus conjuntinhos de blusa e saia de malha, a bolsa de mão mudando de cor de acordo com o tom da roupa. Engraçado como, já mais velhos, eles pareciam mais moços do que nas fotos que nos sobraram.
Se eu chegar aos 70 com a metade da disposição delas, estarei no lucro. Se eu chegar aos 60, melhor dizendo. Se eu chegar até amanhã, já valeu a pena.
Minha mãe morreu cedo e cheia de planos, então ver as mães dos amigos avançando décadas com saúde e bom humor sempre me comove. Às vezes, as senhoras têm mais bom humor do que saúde, o que é admirável. São muitas as mães de amigas que passaram lépidas pelos 70 e agora vão chegando aos 80, e mais, sem perder a graça. Estamos falando aqui de senhoras com condições de se locomover e pensar, de pagar as próprias contas, de se resolver. A velhice não é um lugar que acolhe a todos, a gente sabe. Bom seria se fosse.
Uma dessas senhoras é a dona Sakae, que abriu o primeiro restaurante japonês da cidade - não por coincidência, o Sakae's, ali na Rua Castro Alves. Pois a dona Sakae acaba de chegar aos 80 anos. Quem a vê com aquele passo miudinho, caminhando apressada, pensa que ela tem, quem sabe, 60. Dona Sakae chegou ao Brasil aos 22 anos, em um navio que quase fica pelo mar. Quando o marido foi para os Estados Unidos em busca de trabalho, criou os três filhos sozinha, mal e mal falando o português. Para sustentar a família, produzia e vendia tofu, o queijo de soja. A entrega era feita de bicicleta, e a dona Sakae chegou a ser hostilizada por pedalar na Porto Alegre do final dos anos 1960. De dentro de um bonde, passageiros jogaram bergamotas nela. É porque as pessoas não estavam acostumadas a ver uma mulher de bicicleta na rua, diz, sem fazer drama. Não que a estranheza justificasse a agressão.
Boa parte dos porto-alegrenses aprendeu a gostar da culinária japonesa por causa dela. E a dona Sakae continua firme na cozinha, já não todos os dias, mas só porque a família não deixa. Às vezes fica saudosa dos Suzuki que ainda vivem em Nagoya, às vezes sente falta de quem já se foi, às vezes fica amolada por um ou outro perrengue da idade. Mas não para. Aquela baixinha caminhando na Castro Alves em uma manhã de domingo? É ela. Agora aos 80 anos.
E o que dizer de quem vai fazer 90 com a espinha ereta e o coração tranquilo? Essa é a Anna Maria, que mora em Canela com uma das filhas, mas que pega ônibus para vir a Porto Alegre como quem vai ali no outro bairro. Ativa nas redes sociais, ativa em tudo. A Anna Maria já passou trabalho - e quem não passou, ainda mais com tantas décadas vividas? -, mas se isso transparece em alguma coisa nela, é no sorriso. Como ri de um jeito que enche todo mundo de paz, a Anna Maria. Que eu devia chamar de dona, mas isso ela nunca deixou.
Se eu chegar aos 70 com a metade da disposição delas, estarei no lucro. Se eu chegar aos 60, melhor dizendo. Se eu chegar até amanhã, já valeu a pena.