Cozinhas podem ser consideradas verdadeiros laboratórios de experimentos e criação, principalmente, quando falamos de espaços especializados que se dedicam a um nicho específico dentro da gastronomia. Na confeitaria não poderia ser diferente. Mas, quando comparado com o de outros países, o ramo brasileiro é considerado jovem, já que o auge do desenvolvimento do segmento em países europeus, como a França, por exemplo, se concentra no século 18 - quando o Brasil ainda era apenas uma colônia.
Mesmo com a desvantagem de alguns séculos, a confeitaria brasileira tem se destacado, principalmente nas últimas duas décadas. Grandes nomes têm surgido, como Diego Lozano, Carole Crema e Luiz Farias, conquistando reconhecimento internacional e dando cada vez mais corpo ao mercado brasileiro.
– Há uma virada de chave nos anos 2000. Uma nova era em que começa a aparecer uma confeitaria mais universal, com mais influências argentinas, americanas e europeias, com pessoas viajando – explica Diego Andino, dono da Diego Andino Pâtisserie (Rua Artur Rocha, 795, no bairro Mont'Serrat) – O mercado brasileiro é muito rápido, muito dinâmico, é de muito sucesso. As coisas vêm acontecendo de forma muito rápida e com grandes profissionais.
O dinamismo apontado por Diego, um dos pâtissiers mais premiados do Rio Grande do Sul, pode ser observado principalmente nas grandes capitais do país, como São Paulo e Rio de Janeiro, que se tornaram sede das chamadas "explosões gastronômicas", como explica o argentino. Novas escolas, estabelecimentos e profissionais têm conquistado seus espaços, fazendo com que mais pessoas se interessem pelo ramo.
Em Porto Alegre, o mercado das docerias tem começado a se estabelecer com mais raízes, ainda que não receba tanto destaque quanto os municípios do eixo Rio-São Paulo. Para contornar essa desvantagem, cabe aos confeiteiros caprichar ainda mais em seus produtos, priorizando insumos de alta qualidade, além de manter um preparo com extremo cuidado e atenção. Marcelo Gonçalves, dono da Pâtissier Marcelo Gonçalves (Rua Marquês do Pombal, 128, no bairro Moinhos de Vento), aponta que há uma busca desses estabelecimentos por identidade.
– Se existe alguma coisa que as pessoas estão precisando e, talvez isso seja uma tendência, é a história de ser verdadeiro, ser mais simples. Entrar em um lugar desses e se sentir recebido. Isso é quase mais importante que o doce e que a comida. Tem que ter um carinho, tem que ser atencioso – explica Marcelo.
Por esse e outros fatores, entrar para o setor e conseguir crescer não é uma tarefa fácil. Mesmo que muitas receitas possam ser preparadas em casa e nós possamos nos aventurar no fogão, levar isso para o patamar profissional é um caminho longo e de muito estudo e aprendizado – algo que tanto Diego quanto Marcelo possuem em comum.
–Para ser um pâtissier, tem que ter amor, senso de estética, ser bom negociante, ter simpatia, ter uma veia muito artesanal. Um confeiteiro precisa ser um artesão, e não pensar somente no lucro. Tem que pensar no produto como arte, com qualidade, como matéria-prima, procurando ser o melhor e depois pensar na parte comercial – conta Diego.
COMO UMA JOIA
Se há algo que todo pâtissier tem em consenso é de que a prática da confeitaria é muito mais do que fazer comida, é arte. O processo de criação de um doce está diretamente ligado com sua apresentação, que deve ser sempre impecável. Tudo que é pensado para chegar no sabor e na textura também precisa ser pensado para a exposição – afinal, muitas pessoas gostam mesmo é de comer com os olhos.
– A tendência é criar aquele doce como se cria uma joia, como uma arte, um presente, algo muito intenso. A interpretação dele é muito mais profunda do que se pensava há 20 anos. A tendência é da qualidade, da estética, o doce como algo muito sublime. E em várias partes do mundo está acontecendo isso – explica Diego Andino.
Na Pâtissier, o reconhecimento acumulado ao longo dos 25 anos de história está diretamente ligado com esse diferencial. Apesar de também oferecer pratos para almoço e jantar e organizar eventos, o estabelecimento se diferencia principalmente pela alta qualidade dos doces oferecidos.
–Doce bom é mais raro do que comida boa, por via de regra. Então uma das nossas qualidades, que me potencializa mais, é ser doceiro. É tratar disso como uma joia. A gente está entendendo que o DNA do negócio é a pâtisserie – conta Marcelo.
O processo de qualificação, atentado para produtos que beiram à perfeição, já é de praxe nas duas pâtisseries de Porto Alegre. Não à toa, a pâtisserie de Marcelo já faz parte da história da capital gaúcha há mais de duas décadas, enquanto a de Diego acaba de completar 18 anos. O surgimento de ambas, beirando os anos 2000, com certeza não é coincidência quando falamos da ascensão do ramo na gastronomia brasileira.