No imaginário comum, Champagne representa um taça refinada cheia de borbulhas. Mas uma viagem pelo interior da França me fez perceber que esta região vai muito além do óbvio. Com paisagens que parecem ter saído de um quadro impressionista, Champagne encanta em todos os cantos.
Um bom passeio pela região precisa contemplar no mínimo suas duas principais cidades: Reims e Epérnay. A primeira é maior e apresenta opções de hospedagem, gastronomia e degustações mais variadas. A segunda é mais charmosa e com ares de cidade do interior por mais cosmopolita que fique com os turistas do mundo todo que a visitam durante o dia.
Reims é o coração da região. É o ponto de partida ideal para conhecer a bebida. Segundo o concierge do hotel que fiquei é sempre melhor começar pelas vinícolas maiores para depois degustar as menores.
Segui a dica à risca e parti para a primeira visita na Veuve Cliquot, uma das marcas mais conhecidas no mundo com sua cor laranja. A história por trás da marca é fascinante. Nicole-Barbe Ponsardin casou-se com François Clicquot. Pouco tempo depois, seu marido faleceu, deixando-a viúva. Com seu espírito de liderança, Nicole tornou-se responsável pela vinícola. São creditadas a ela grandes inovações na produção da bebida, como a criação do suporte de garrafas que permitia uma inclinação gradual até chegar na posição vertical, ideal para concentrar a levedura e fazer o processo de dégorgement (degola) da garrafa retirando as impurezas, o que deixaria a bebida ainda mais interessante e complexa.
Depois de saber da história, começa um passeio pelas longas caves subterrâneas (são mais de 24km de caves). Tudo termina com uma deliciosa degustação de alguns dos celebrados rótulos da Maison como La Grande Dame Brut 2004.
Outra senhora notável do mundo do champagne foi a Madame Pommery, uma apaixonada pelo mundo das artes que investiu na construção de verdadeiras obras de arte esculpidas no interior de suas caves. Segundo contam, ela queria que o trabalho dos operários fosse mais agradável, já que eles passavam longos períodos escavando à mão os intermináveis túneis que se espalham por toda a cidade.
A marca Pommery hoje também é sinônimo de sofisticação e continua fomentando artistas por todo o mundo. No que diz respeito à bebida, coube à Pommery inovar ao criar o primeiro brut nature, bebida que não tem adição de açúcar, com sabor ainda mais seco. O passeio pela vinícola é talvez o mais inspirador e completo de todos. As instalações artísticas ao longo das caves, todas na cor azul que é característica da marca, são impressionantes e inesquecíveis. O show na Pommery terminou com a degustação do Louise 1999, bebida com aroma e sabor impecáveis.
Ainda em Reims, outra degustação que se destaca é a da Taittinger. A Abadia de Saint-Nicaise tem uma escadaria que termina nas caves desta vinícola cheia de histórias envolvendo a igreja.
Em determinado ponto das visitas, o guia apresenta os diferentes tamanhos de garrafas existentes na região. Para quem, como eu, achava que o máximo que existia era algo em torno de seis litros, saber que existe uma garrafa chamada Nabudonosor com quinze litros é algo impressionante.
Na parte gastronômica, Reims oferece belas opções. Para os mais tradicionais, recomendo a Brasserie Flo, uma instituição na cidade e no país francês. Pratos clássicos da culinária local podem ser degustados e a recomendação para terminar o almoço lá é provar os profiteroles com sorvete de baunilha e calda de chocolate Valrhona.
No entanto, a dica mais preciosa da viagem estaria em outra Brasserie chamada Le Jardin. Esta fica no magnífico Domaine Les Crayeres, um castelo restaurado em hotel que vale a visita de qualquer jeito.
O restaurante oferece pratos muito saborosos e bem executados como o entrecote de vitela. Outra sensação do cardápio é a massa cozida como um risoto, um prato inusitado e com muito sabor do queijo.
Se você preferir um restaurante mais sofisticado, no mesmo hotel fica o Le Parc, com um menu degustação refinado e serviço de alto nível.
Cerca de trinta quilômetros ao sul de Reims está Épernay, a capital da Champagne. Passear pelas ruas dessa cidade já é uma atração e tanto. Grandes casarões das maisons intercalam com bistrôs e boulangeries. Na Avenue du Champagne, principal avenida da cidade, é possível degustar diferentes produtos nas lojas das marcas.
Fiz uma parada na Bèrgere e não me arrependi. Da taça do brut nature deles era possível apreciar um aroma de torrada que até quem é pouco entendido como eu conseguia identificar.
Algumas quadras para o lado, encontramos uma boulangerie que mereceu a visita: Les Gourmandises D’Amaelle. Provamos o uma torta que tinha macarons na base e na cobertura, que tinha no recheio um mousse de chocolate. E ainda aproveitamos para levar uns pães para casa.
Também na parte gastronômica de Épernay vale destacar o La Banque, restaurante situado em um antigo banco da cidade. Com instalações imponentes, o ambiente é uma ótima opção para quem quer almoçar entre uma degustação e outra. No menu, pratos deliciosos como o tradicional foie gras e o um magret de pato com tagliatelle.
A tradicional Möet & Chandon fica em Épernay, mas está fechada para reformas até meados de 2016. No entanto, a cidade tem uma ótima opção de visita que é a Mercier. O excêntrico fundador desta vinícola protagonizou grandes momentos da história da região, como ter construído a maior pipa do mundo e a levado até Paris para um festival por volta de 1900. Ele também produziu para a vinícola um dos primeiros filmes publicitários da história. O tour em um trem dentro das caves é divertido e pode ser feito em diversos idiomas.
Praticamente grudado em Épernay fica Hautvillers, um pequenino vilarejo que vale a visita por seu ar bucólico e tranquilo.
Por lá, a pedida é visitar o Au36, wine bar onde pode-se provar excelentes rótulos de pequenos produtores locais como Michel Loriot e Devaux. Depois de tanto ouvir as explicações sobre o método champenoise você já sabe muito sobre o processo e só quer mesmo é degustar mais rótulos. Afinal, esta é a melhor forma de aprender sobre essa maravilhosa e única bebida.
O que aprendemos nas visitas às vinícolas:
> Para ser uma champagne a bebida deve ser produzida no método champenoise e ser feita com as uvas Pinot Noir, Chardonnay ou Pinot Meunier.
> Geralmente as champagnes utilizam produções de diferentes anos para manter o mesmo padrão de qualidade. Estas são chamadas de non vintage. Para ser uma vintage, a champagne deve ser produzida apenas com uvas da mesma safra. Neste caso, ela pode levar o ano no rótulo.
> Só é considerada champagne a bebida produzida com as uvas de 329 municípios da região. Dentre estas, existe uma classificação de qualidade. Apenas 17 destes terroirs tem o selo de Grand Cru, o mais nobre e com maior nível de qualidade de todos. Outros 40 terroirs são classificados como Premier Cru, um nível abaixo do Grand Cru. Todos os outros restantes são chamados de Cru.
* Conteúdo produzido por Diego Fabris