Nem tudo são flores quando se trata do cultivo das videiras. A vindima, período de colheita da uva, ocorre, geralmente, de janeiro a março. Mas, o ciclo inicia com a brotação do vinhedo, no início da primavera, passando pela floração, pelo crescimento da planta, até chegar à colheita. Todo o desenvolvimento da fruta leva em torno de 90 a 150 dias, dependendo da variedade.
Nosso último inverno foi ameno, com poucas horas de frio (temperaturas abaixo dos 7,2º C). Ali já ligamos o sinal de alerta, pois algumas plantas começaram precocemente a brotação – estímulo diretamente relacionado ao calor.
Começou a esquentar, e as vinhas que já estavam podadas iniciaram seu ciclo. Depois, devido ao fenômeno climático El Niño, tivemos chuvas excessivas no Estado, bem na fase de floração, causando muito desavinho – a ausência de fecundação das flores, o que acaba não formando as bagas dos cachos. O excesso de chuva também proporcionou alta umidade e um ambiente favorável para o desenvolvimento de doenças fúngicas.
Foi um ano de muito trabalho no vinhedo para segurar a fruta no pé. Sem contar as poucas horas de sol para o desenvolvimento da planta e a queda de granizo, que arrasou muitos parreirais. Com isso, se estima uma perda de 30% da produção de uva no Estado.
Ricardo Morari, presidente da Associação Brasileira de Enologia, reforça que foi um ano desafiador para a viticultura. As condições climáticas com muitas chuvas durante todo o período de brotação e floração dificultaram os tratamentos. No entanto, com um bom manejo no vinhedo, foi possível contornar a situação da qualidade da uva.
– Estamos recebendo uva de boa qualidade, embora com um volume menor – explica Morari.
Por outro lado, as variedades precoces, como chardonnay, pinot noir e glera (prosecco), já foram colhidas e destinadas para a elaboração de espumantes, com uma acidez boa e desejada.
– A expectativa para as uvas tintas é boa, tivemos um período de 15 a 20 dias sem chuva, o que ajudou na maturação e no desenvolvimento das uvas. Algumas variedades já estão sendo colhidas, como a tannat, na Campanha, e a merlot, na serra gaúcha. Todas chegando bem nas vinícolas – completa o presidente.
Ainda, o que preocupa é o suco de uva, que teve um bom volume no ano passado, e que, para este ano, seria necessária uma produção grande para atender o mercado. Porém, Morari ressalta que o suco tem uma relação entre preço e produto que não pode custar muito caro para não travar as vendas.
Os produtores sentem a perda na produção, assim como nós, enólogos. Mas não dá para ganhar todas. Estima-se que, em uma década, tivemos três supersafras, três safras pequenas e quatro medianas, em se tratando de quantidade.
Hoje, já temos tecnologia para manter a qualidade do produto final. Muitas vinícolas têm vinhos em estoque de passagem, para não correr o risco de faltar no mercado, mas cada uma terá que buscar sua estratégia, sobre o que vinificar em relação às uvas que chegam, e como não perder espaço de vendas.
Nem tudo são flores, como comecei o texto. Mas, com certeza, meus colegas vão dar o melhor do conhecimento deles e fazer ótimo uso da tecnologia para termos boas bebidas engarrafadas. Aos produtores, que não negaram esforços, o nosso muito obrigada por garantirem nossas uvas.