Precisei ir até o fim do mundo para respeitar afu a produção de cerveja. Cara, o lance é muito complexo, e me fez tirar o chapéu para esse líquido tão sagrado, cremoso, geladinho e refrescante (espera aí que vou abrir uma enquanto termino esse raciocínio, não vai ter como seguir adiante sem isso).
Porque sempre tive a impressão de que a produção de cerveja fosse como a do vinho. Tipo, o cara vai lá faz umas medições climáticas, de exposição solar, de solo, etc, e a partir disso decide onde e o quê plantar. Lá pelas tantas, durante a safra, colhe e começa a produção. Para vinho, com uva. Para cerveja, com lúpulo. Not.
Em resumo, nada a ver. Um amor essa imagem que eu tinha, coisa mais querida. Mas é uma bela bobagem. Vinho depende muito de um único protagonista, a uva. A cerveja tem quatro: água, malte, levedura e lúpulo, cujas combinações podem gerar uma infinidade de resultados, dependendo da intensidade, do terroir e de diversas outras coisas.
E é sobre o lúpulo especificamente, que detalho essa experiência. Fui até a Patagônia, numa fazenda de lúpulo chamada Chacra General Fernandez Oro, localizada em Cipoletti, província de Río Negro, para participar de uma colheita e conhecer um pouco mais da filosofia da Cerveza Patagonia, um dos símbolos da região.
Sem saber muito o que nos esperava, fui de sangue doce para absorver o máximo de informação possível e me tocar campo afora numa experiência que, seguramente, não se repetiria com tanta frequência na minha vida. Mas esperando pelo menos tomar algumas e comer no mínimo um baita assado patagônico. Apenas isso. Não esperava mais nada além disso, até porque nem tinha muita informação, o lance era tudo meio surpresa.
Na chegada à Chacra, deixamos nossas malas na caçamba de um tratorzinho, e fomos recepcionados com uma baita degustação orientada de três rótulos que eu ainda não conhecia (a 24.7, a Summer e a Paulina) enquanto rolava meio que um café da manhã, talvez o melhor exemplo de "café dos campeões".
Encerrada essa parte, percebi uma fumacinha e um perfume maravilhoso de lenha queimando. Cara, é a minha fragrância preferida, abre umas gavetinhas na minha memória que chega a emocionar. E como onde há fumaça, há fogo, foi o que precedeu o que seria nosso menu de almoço: um grande assado de cordeiro patagônico. Cara, que baita troço!
Nesse momento comecei a pensar que daqui a pouco partiríamos para a colheita, mas nem sabíamos direito onde é que dormiríamos. Nisso, percebi que nossas malas já não estavam mais onde havíamos deixado. De repente levaram para um hotel por perto, sei lá. Simpático da parte deles. Seria legal, se não tivesse sido assim ó, um acampamento DO LADO DA PLANTAÇÃO!
Cara, esse texto tinha que acabar aqui, não dá para descrever como é ir à lua, só quem viajou no espaço vai entender. É tipo isso, impossível tentar relatar aqui o que foi isso tudo. Quando vocês acharem que eu exagerei, considerem que o suposto exagero de minha parte não chega nem perto do que realmente foi. Juro.
Dentro de cada barraca tinha uma mochila. Dentro de cada mochila tinha um saco de colheita, luvas de couro, uma camisa para o frio, um boné e uma lanterna. Deixaram dito para levarmos tudo, pois usaríamos todos os itens. Do alto da minha ignorância, pensei "luva para quê, gaúcho não sente frio kkkk". Enfim, levei tudo.
A meta era colher 40 quilos de lúpulo, que imediatamente seriam embarcados numa camionete e rumaria naquele mesmo momento para a cervejaria, que fica em Bariloche, no km 24.7 do Circuito Chico, em Bariloche. Neste exato momento entendi o porquê de uma da cerveja se chamar 24.7.
Cada um ficou responsável por um chumaço de lúpulo, e na hora que fui pegar o que seria de minha responsabilidade, entendi que a luva não era para o frio, e sim para não machucar as mãos com a textura áspera e levemente cortante do galho.
Aprendi direitinho a tirar apenas a flor, sem folha nem cotoco do galhinho. Colhi como se não houvesse amanhã, e na hora que zerei meu galho percebi que aquilo tudo não devia pesar mais de 4kg. Bebi para esquecer, e contei com a eficiência dos meus colegas de colheita.
Em seguida voltamos para a cabana e comecei a me preocupar com o jantar. Gordinho é assim mesmo, tem sempre que estar mastigando alguma coisa, senão se desespera. O lado bom do desespero é que a gente acaba aperfeiçoando nosso faro. E voltei a sentir aquele cheiro maravilhoso de lenha queimando.
Óbvio que eu não poderia estar errado, estávamos diante de mais um assado, dessa vez com cortes bovinos, além de empanadas de cordeiro feitas ali naquele mesmo fogo. Uma coisa de cinema fazer um churras com fogo de chão de noite no meio de uma fazenda.
Aí me peguei pensando se a ideia seria comer de pé mesmo, beliscando, aquela coisa churras de tábua. Por mim, OK, estou acostumado. Faço bastante isso para não sujar louça. Mas não, longe disso. Sabe a lanterna que veio na mochila? Pediram para pegá-la, pois seria necessário para encontrar a mesa de jantar. Montada. No. Meio. Da. Plantação. De. Lúpulo.
Sabe qual foi meu pensamento nesse exato momento? "Não fala nada seu imbecil, fica quieto, não fala nada para não passar vergonha. Cala a boca e finge naturalidade, faz de conta que isso é tudo muito normal". A primeira pessoa que encostou em mim sem querer recebeu um abraço caloroso seguido por um "VÉI Q PORRA É ESSA MANO SE LIGA Q BAGULHO FODAAAAA". Joguei a minha naturalidade no lixo, foda-se.
Como agir normalmente diante de um espetáculo desses, vamos combinar, né? Nada, nada, nada poderia ser mais simples, rústico e genial do que isso.
Dia longo. Fui dormir porque sabia que na manhã seguinte partiríamos para Bariloche, e Bariloche é mais longe que Uruguaiana. E também porque estava com um pouco de vergonha de dormir tão perto de uma galera que mal conheço e já considero pacas, porque sei lá, bebi e tal, podia roncar muito e cheguei a sonhar que, ao acordar, ninguém falava comigo. Se liga no complexo da criança.
Acho que me comportei bem durante a noite, porque ao acordar, percebi que deixaram uma cestinha de café da manhã em todas as barracas, inclusive na minha! Térmica de leite quentinho, geleias, dulce de leche, pão caseiro e queijos.
Pouca coisa, mas justo o necessário para ser feliz. Ainda mais que, de tanto em tanto, ao longo das barracas, tinham umas mesas de apoio com tudo isso em maior quantidade para repor. O maior open-bar de café da manhã que você respeita!
Levantamos acampamento e rumamos para Bariloche. Viagem linda, retas infinitas e a cordilheira com neve no topo. Comecei a ter fome e muita sede. Lembrei que todo o lúpulo colhido, futuramente, gerará uma edição especial chamada IPA Fernandez, em homenagem ao nome da Chacra que estivemos. Espero voltar para prová-la. Afinal, eu que fiz :)